sexta-feira, 4 de março de 2011

A Lâmpada do Senhor

A Lâmpada do Senhor (Élder Boyd K. Packer, A Liahona, out/1983, pp.27/37)

Não aprendemos as coisas espirituais da mesma forma que aprendemos outras coisas que sabemos, embora se possam usar auxílios como ler, estudar e ponderar. Aprendi que ensinar e aprender coisas espirituais requer uma atitude especial. Existem certas coisas que sabemos ou podemos vir a saber, que são bastante difíceis para ensinar a outros. Estou convencido de que assim deve ser.
Qual é o Paladar do Sal?
Antes de ser chamado como autoridade geral, tive uma experiência que me afetou profundamente. Estava sentado no avião, ao lado de um ateu confesso que tanto insistiu em sua descrença que lhe prestei meu testemunho.
– O senhor está enganado – disse-lhe. Deus existe. E sei que Ele vive! Ao que ele protestou:
– O senhor não sabe. Ninguém sabe! Simplesmente não pode sabê-lo!
Como não recuei, o ateu, que era advogado, fez a pergunta provavelmente mais difícil na questão do testemunho.
– Muito bem – falou de maneira sarcástica, condescendente –, o senhor afirma que sabe. Diga me como o sabe.
– Quando tentei responder, apesar de todos os meus estudos, não soube como.
– Às vezes, vocês, jovens missionários ficam embaraçados quando pessoas cínicas, céticas os tratam com desprezo, por não terem resposta para tudo. Diante de tal ridículo, alguns se afastam envergonhados. [Lembram-se da barra de ferro, do edifício espaçoso e dos zombadores? (1Néfi 8:28)]
Quando usei os termos espírito e testemunho, o ateu retrucou: “Não sei do que está falando”.As palavras oração, discernimento e fé também não lhes significaram nada. “Como vê”, comentou, “o senhor não sabe. Se soubesse seria capaz de me explica como o sabe.”
Achei que provavelmente fora insensato prestar-lhe meu testemunho e fiquei sem saber o que fazer. Então tive a experiência! Lembrei-me de uma coisa. E quero mencionar aqui uma declaração do Profeta Joseph Smith: “Uma pessoa poderá beneficiar-se, se percebe o primeiro embate do Espírito de revelação. Por exemplo, quando sentis que a inteligência pura flui para vós, isto irá repentinamente, despertar uma corrente de idéias... e assim, por conhecer e aceitar o Espírito de Deus, podereis crescer mais no princípio da revelação, até que chegueis a ser perfeitos em Cristo Jesus.” (Ensinamentos do Profeta Joseph Smith, pp.146-47.)
Ocorreu-me uma dessas idéias, e disse ao ateu:
– Gostaria de saber se o senhor conhece o gosto do sal.
– Lógico que conheço – foi sua resposta.
– Quando foi a ultima vez que provou sal?
– Há pouco, no jantar.
– Então o senhor pensa saber qual o gosto do sal?
Ele afirmou: – Sei qual é o gosto do sal, tão bem quanto é possível saber-se alguma coisa.
– Se eu lhe desse um pouco de sal e um pouco de açúcar para provar, saberia diferenciar o sal do açúcar?
– Agora o senhor está ficando infantil – rebateu. Lógico que saberia a diferença. Conheço o gosto do sal. É uma experiência cotidiana... uma coisa que sei com certeza.
– Então – respondi –, explique-me o gosto do sal como se eu o desconhecesse.
– Depois de refletir um pouco, começou gaguejando: – Bem, não é ...doce e ... nem azedo.
– Até agora está me dizendo o que não é, e não o que é.
Depois de diversas tentativas, obviamente foi obrigado a desistir. Não foi capaz de transmitir, só com palavras, uma coisa tão corriqueira como o paladar do sal. Então voltei a prestar-lhe o meu testemunho:
– Sei que Deus existe. O senhor ridicularizou este testemunho, dizendo que, se eu realmente soubesse, seria capaz de explicar como o sei. Meu amigo, falando espiritualmente, eu provei do sal. Não posso dizer-lhe com palavras como adquiri esse conhecimento, assim como o senhor não consegue dizer-me o gosto do sal. Afirmo mais uma vez, Deus existe! Ele vive! E não tente me convencer de que não sei, só porque o senhor não sabe. Eu sei!
Na despedida, ouviu-o murmurar: “Não preciso de sua religião como muleta! Não preciso dela.”
A partir daí, nunca mais fiquei embaraçado ou envergonhado de não conseguir explicar apenas com palavras o que sei espiritualmente. O apóstolo Paulo o colocou assim:
“...falamos, não com palavras de sabedoria humana, mas com as que o Espírito Santo ensina, comparando as coisas espirituais com as materiais.
“Ora, o homem natural não compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura; e não podem entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente.” (1 Cor. 2:13-14)
Não Só com Palavras
Não podemos transmitir conhecimento espiritual só com palavras, mas sim mostrar aos outros com palavras como preparar-se para receber o Espírito. O próprio Espírito há de ajudar. “Quando um homem fala pelo poder do Espírito Santo, esse poder leva suas palavras aos corações dos filhos dos homens.” (2 Néfi 33:1)
Então, tendo uma comunicação espiritual, podemos dizer a nós mesmos: É isso! É isso que se quer dizer com as palavras na revelação. Depois, se cuidadosamente escolhidas, as palavras servem para ensinar coisas espirituais.
Não dispomos de palavras (nem mesmo as escrituras têm) para descrever perfeitamente o Espírito. As escrituras costumam utilizar a palavra voz, que não se aplica precisamente. Essas comunicações espirituais delicadas, puras não as vemos com os olhos, nem ouvimos com os ouvidos. E apesar de serem descritas como uma voz, é uma voz mais sentida que ouvida.
Depois de compreender isso, certo versículo do Livro de Mórmon assumiu um sentido profundo para mim, e meu testemunho desse livro aumentou consideravelmente. Quando Lamã e Lemuel se rebelaram, Néfi os repreendeu, dizendo: “Haveis visto um anjo que vos falou; sim, haveis ouvido sua voz de quando em quando; e ele vos falou com uma voz mansa e delicada, porém havíeis perdido a sensibilidade, de modo que não pudestes perceber suas palavras.” (1 Néfi 17:45; grifo nosso.)
A Voz dos Anjos
Néfi, em seu grande e profundo discurso, explica que os “anjos falam pelo poder do Espírito Santo, falam, pois, as palavras de Cristo. Por isto eu vos disse: Banqueteai-vos com as palavras de Cristo... pois eis que as palavras de Cristo vos dirão todas as coisas que deveis fazer”.(2 Néfi 32:3)
Caso aparecesse um anjo para conversar com vocês, nem vocês nem eles estariam obrigados a usar os olhos ou ouvidos para se comunicarem. Pois há aquele processo espiritual chamado revelação, descrito pelo Profeta Joseph Smith, no qual a inteligência flui para a nossa mente, capacitando-nos a saber o de que precisamos, sem necessidade de que o estudo ou a passagem do tempo nos revele.
E disse mais o Profeta:
“Todas as coisas, sejam quais forem, que Deus, em sua infinita sabedoria, achou conveniente revelar-nos, enquanto vivemos na mortalidade, a respeito de nossos corpos mortais, são-nos reveladas de maneira abstrata... são reveladas ao nosso espírito precisamente como se não tivéssemos corpo algum. E essas revelações, resgate de nossos espíritos, salvarão nossos corpos.” (Ensinamentos, p.347)
A Voz Mansa e Delicada
As escrituras descrevem a voz do Espírito como nem áspera, nem forte. Não é uma voz de trovão, nem de ruído tumultuoso, mas antes uma voz maviosa, cheia de suavidade, semelhante a um sussurro, que penetrava até o mais profundo da alma e fazia o coração arder. (3 Néfi 11:3; Helamã 5:30; D&C 85:6-7) Lembrem-se, Elias descobriu que a voz do Senhor não estava no vento, nem no terremoto, nem no fogo, mas era uma voz mansa e delicada. (1 Reis 19:12)
O Espírito não procura chamar atenção, gritando ou sacudindo-nos com mão pesada. Ele sussurra. Afaga-nos com tanta delicadeza que, se estivermos preocupados, talvez nem cheguemos a percebê-lo. (Não admira que haja sido revelada a Palavra de Sabedoria, pois, como poderia o bêbado ou drogado perceber uma voz assim?).
Vez por outra, ele nos toca com firmeza suficiente para prestarmos atenção. Normalmente, contudo, se não percebemos o seu delicado afago, o Espírito se afasta e espera até que o busquemos e atentemos e digamos, à nossa própria maneira, como Samuel em outros tempos: “Fala (Senhor), porque o teu servo ouve”. (1 Samuel 3:10)
As Experiências Espirituais São Raras
Aprendi que experiências espirituais fortes e impressivas não são freqüentes. E quando acontecem, é para nossa própria edificação, instrução ou repreensão. A menos que tenhamos sido chamados pela devida autoridade nesse sentido, não nos colocam em posição de aconselhar ou corrigir os outros.
Não Falar Levianamente das Experiências
Convenci-me também de que não é sábio falar continuamente de experiências espirituais inusitadas. Elas devem ser cuidadosamente resguardadas, e compartilhadas só quando o próprio Espírito nos induz a falar delas em benefício dos outros. Lembro-me constantemente das palavras de Alma: “É dado a muitos conhecer os mistérios de Deus; é-lhes, porém, absolutamente proibido divulgá-los, a não ser a parte de sua palavra que ele concede aos filhos dos homens, de acordo com a obediência e atenção que lhe dispensam”. (Alma 12:9)
Ouvi certa vez o Presidente Marion G. Romney recomendar a presidentes de missão e suas esposas: “Não conto tudo o que sei; nunca contei tudo o que sei nem a minha mulher, pois descobri que, se falasse levianamente das coisas sagradas, o Senhor não mais confiaria a mim”.
Devemos, acredito, guardar essas coisas e ponderá-las no coração, como, segundo Lucas, Maria fez com os acontecimentos divinos em torno do nascimento de Jesus. (Ver Lucas 2:19.)
As Coisas Espirituais Não Se Deixam Forçar
Há mais uma coisa que precisamos aprender. Nenhum testemunho nos é imposto, ele cresce pouco a pouco. Nós crescemos no testemunho exatamente como crescemos em estatura física; e mal percebemos o que acontece, porque se dá pouco a pouco.
Não é sábio exigir respostas ou bênçãos imediatas, ao nosso bel-prazer. Não podemos forçar as coisas espirituais. Palavras como compelir, coagir, constranger, pressionar, exigir, não descrevem os nossos privilégios para com o Espírito. Assim como não se pode forçar uma semente a brotar ou um ovo a chocar antes do tempo, também não podemos forçar uma semente a forçar uma resposta do Espírito. Podemos, sim, criar um clima propício à germinação, crescimento e proteção; mas não podemos forçar ou compelir – somos obrigados a aguardar que cresça.
Não sejam impacientes na aquisição de grande conhecimento espiritual. Deixem que cresça, ajudem-no a crescer, mas não forcem, pois, senão, podem correr o perigo de ser enganados.
Utilizar Todos os Nossos Recursos
Espera-se que utilizemos a luz e conhecimento que já temos para governar nossa vida. Não devemos precisar de uma revelação para nos ensinar a cumprir nosso dever, pois isto já nos foi explicado nas escrituras; tampouco devemos esperar revelações em substituição à inteligência espiritual ou temporal que já recebemos – apenas para expandi-la. Precisamos governar nossa vida de maneira prática, comum, seguindo as rotinas, regras e regulamentos aplicáveis. Regras, regulamentos e mandamentos são uma valiosa proteção. Caso necessitemos de revelação para uma eventual alteração do curso, ela nos será dada na hora oportuna. A recomendação de nos ocupar zelosamente é sem dúvida, um sábio conselho. (D&C 58:27)
Natanael ou Tomé?
A espiritualidade das pessoas difere imensamente. Quando Filipe contou a Natanael haver encontrado “aquele de quem Moisés... e os profetas (escreveram): Jesus de Nazaré, filho de José”, a resposta foi: “Pode vir alguma coisa boa de Nazaré?”.
Filipe disse: “Vem, e vê”. Ele foi e viu. O que não deve ter sentido Natanael! Pois, sem objeções, exclamou: “Rabi, tu és o Filho de Deus”.
O Senhor o bendisse por sua fé, dizendo: “Na verdade, na verdade vos digo que daqui em diante vereis o céu aberto, e os anjos de Deus subirem e descerem sobre o Filho do Homem”. (João 1:45-51)
O caso de Tomé foi diferente; o testemunho conjunto de dez apóstolos não bastou para convencê-lo de que Jesus ressuscitara; queria uma prova concreta. “Se eu não vir o sinal dos cravos em suas mãos e não meter minha mão no seu lado, de maneira nenhuma o crerei”. (João 20:25)
Passados oito dias, o Senhor apareceu: “Põe aqui o teu dedo e vê as minhas mãos; e chega a tua mão, e mete-a no meu lado; e não sejas incrédulo, mas crente”. Depois de ver e sentir pessoalmente, Tomé respondeu: “Senhor meu, e Deus meu!”.
Então o Senhor lhe ensinou uma profunda lição: “Porque me viste, Tomé, creste; bem-aventurado os que não viram e creram.” (João 20:25-29, grifo nosso.)
Tomé duvidou; bem ao contrário de Natanael, do qual o Senhor diz: “Não há dolo”. (João 1:47) Com Tomé, era “ver para crer”; com Natanael foi o contrário – crer para depois ver “o céu aberto e os anjos de Deus subirem e descerem sobre o Filho do Homem”. (João 1:51)
Mais Poderoso do que Pensam
Bem, não fiquem constrangidos ou envergonhados por não saberem tudo. Diz Néfi: “Sei que ama seus filhos; não conheço, no entanto, o significado de todas as coisas”. (1 Néfi 11:17)
Pode haver mais poder em seu testemunho do que pensam. O Senhor disse aos nefitas: “Todo aquele que a mim vier com um coração quebrantado e espírito contrito, eu o batizarei com fogo e com Espírito Santo, da mesma forma que com os lamanitas, em virtude de sua fé em mim, na época de sua conversão, foram batizados com fogo e com Espírito Santo, sem que o soubessem”. (3 Néfi 9:20, grifo nosso.)
Faz alguns anos, encontrei-me com um de nossos filhos num distante campo missionário, onde estava havia um ano. Sua primeira pergunta foi: “Pai, como posso crescer espiritualmente? Tenho tentado tanto, mas parece que não fiz nenhum progresso”.
Era o que ele pensava; eu o via diferente. Mal conseguia acreditar que, num único ano, conseguira tanta maturidade e progresso espiritual. Ele não o percebera, pois viera pouco a pouco, não como uma assombrosa experiência espiritual.
Por Onde Começar
Não é raro ouvir um missionário dizer: “Como posso prestar testemunho, não o tendo? Como testificar que Deus vive, que Jesus é o Cristo e que o evangelho é verdadeiro? Se não tenho esse testemunho, não seria desonesto?”.
Quisera poder ensinar-lhes este único princípio. O testemunho é encontrado quando se presta! Nalgum ponto da busca de conhecimento espiritual, acontece um “salto de fé”, como o chamam os filósofos. É o momento em que chegam ao fim da luz e dão um salto no escuro, descobrindo então que o caminho à frente está iluminado apenas o suficiente para um ou dois passos. “A alma do homem”, dizem as escrituras, “é a Lâmpada do Senhor”. (Provérbios 20:27)
Uma coisa é receber um testemunho pelo que leram ou ouviram alguém dizer; e isto é necessário para começar. Sentir o Espírito confirmar em seu peito que aquilo é verdade, é coisa bem diferente. Percebem que isso acontecerá à medida que o compartilham? Dando o que possuem, recebê-lo-ão de volta, com reforço!
Éter, o profeta, profetizou ao povo grandes e maravilhosas coisas, nas quais, entretanto, o povo não acreditou, porquanto não as via. “E, agora, eu, Morôni,... quisera mostrar ao mundo que a fé são coisas que se esperam, mas não se vêem; portanto, não disputeis pelas coisas que não virdes, porque não recebereis testemunho senão depois da prova de vossa fé”. (Éter 12:6)
Ele os Amparará
Se falarem com humildade e sincera intenção, o Senhor não os abandonará à própria sorte. É o que as escrituras prometem. Considerem esta:
“Portanto, na verdade vos digo, erguei as vossas vozes a este povo; falai os pensamentos que eu puser em vossos corações, e não sereis confundidos (notem o tempo futuro) perante os homens;
Pois naquela mesma hora, sim, naquele mesmo instante, ser-vos-á dado (novamente no futuro) o que falar.
Mas um mandamento vos dou, tudo o que declarardes em meu nome, que o façais com seriedade de coração, com mansidão de espírito, em todas as coisas.
Eu vos prometo que, se fizerdes isto, o Espírito Santo se derramará para testificar de todas as coisas que disserdes.” (D&C 100:5-8)
Os céticos poderão dizer que prestar testemunho sem saber que se tem um, é condicionar-se a si próprio; porém, é um argumento forjado. Uma coisa é certa, os céticos nunca saberão, pois não preenchem os requisitos da fé, humildade e obediência que os qualificariam para a visitação do Espírito.
Percebem que é justamente assim que o testemunho é oculto, protegido perfeitamente do insincero, do intelectual, do mero curioso,
do arrogante, do descrente, do orgulhoso? Eles não o obterão.
Prestem testemunho das coisas que esperam ser verdade, como um ato de fé. É como que uma prova semelhante ao experimento proposto por Alma a seus seguidores. Começamos com a fé – não com o perfeito conhecimento das coisas. Esse sermão, no capitulo trinta e dois de Alma, é uma das maiores mensagens das santas escrituras, pois é endereçado ao principiante, ao novato, ao humilde pesquisador. E contém a chave para o testemunho da verdade.
Vocês obterão o Espírito e o testemunho de Cristo principalmente se o compartilharem, e só assim o conservarão. Neste processo reside à própria essência do evangelho. Não é isto uma demonstração perfeita de cristianismo? Não se pode encontrá-lo, nem ampliá-lo, a menos que se esteja disposto a compartilhá-lo. É distribuindo-o liberalmente que se torna nosso.
O Espírito Pode Afastar-se
Bem, depois de tê-lo obtido, sejam obedientes aos seus influxos. Aprendi com uma amarga experiência como presidente da missão. Além disso, eu era uma autoridade geral. Por diversas vezes o Espírito me movera a desobrigar um de meus conselheiros, a bem da obra. Além de orar a respeito, ponderara que era o que eu devia fazer. Mas não o fiz. Temia magoar um homem que prestara grandes serviços à Igreja.
O Espírito afastou-se de mim. Não conseguia nenhuma idéia de quem devia chamar como novo conselheiro, caso desobrigasse o que tinha. Isso levou diversas semanas. Minhas preces pareciam não ultrapassar as quatro paredes. Tentei várias alternativas na gestão da obra, sem resultado. Finalmente, fiz o que recomendara o Espírito. Imediatamente ele voltou a manifestar-se! Que maravilha tê-lo de volta! Vocês sabem como é, pois têm o dom do Espírito Santo. E o irmão não ficou magoado. Na verdade foi muito abençoado, e logo em seguida a obra começou a progredir.
Podemos Ser Enganados
Estejam sempre em guarda, a fim de não serem enganados pela inspiração de origem imprópria. Vocês podem receber mensagens espirituais falsas. Existem espíritos falsos, exatamente como há falsos anjos. (Morôni 7:17) Tenham cuidado para não se deixarem enganar, pois o demônio pode aparecer disfarçado de anjo de luz.
A nossa parte espiritual e parte emocional são tão intimamente ligadas que é possível tratar um impulso emotivo como algo espiritual. Ocasionalmente, encontramos pessoas que recebem o que julgam ser influxos espirituais de Deus, quando tais influxos são meras manifestações emotivas ou do adversário.
Evitem como uma praga aqueles que dizem que alguma grande experiência espiritual os autoriza a desafiar a autoridade eclesiástica constituída da Igreja. Não se perturbem se não conseguem explicar alguma insinuação dos apóstatas ou todos os desafios de inimigos que atacam a Igreja do Senhor. Atualmente estamos enfrentando muitos ataques à Igreja; no devido tempo, seremos capazes de confundir os iníquos e inspirar os homens honestos de coração.
Somos Capazes de Fazer a Obra do Senhor
Existe grande poder na obra do Senhor, poder espiritual. O membro comum da Igreja, como vocês, tendo recebido o Espírito Santo na confirmação, é capaz de fazer a obra do Senhor.
Anos atrás, um amigo já falecido contou-me esta experiência. Ele tinha então dezessete anos e era seu primeiro dia de missão. Ele e o companheiro pararam numa casa de campo, a primeira casa que batiam como missionários. Uma mulher grisalha apareceu à porta, perguntando o que queriam. Seu companheiro cutucou-o para que falasse. Assustado, com um nó na garganta, finalmente falou a primeira coisa que lhe veio à mente: “O homem é como Deus já foi, e poderá vir a ser como Deus é.”
Por mais estranho que pareça, ela interessou-se e perguntou de onde tirara aquilo. Ele disse: “Da Bíblia.” Afastou-se por um momento e voltou com a Bíblia. Dizendo-se ministro de uma congregação, entregou-a a ele e mandou: “Aqui está, mostre-me onde.”
Pegando a Bíblia pôs-se a folheá-la nervosamente. Finalmente a devolveu, dizendo: “Não consigo encontrar. Nem mesmo estou certo de que esteja aí, e mesmo que estivesse, não conseguiria encontrar o trecho. Sou um pobre rapaz da roça, lá do vale Cache, em Utah. Não tenho muita instrução. Mas venho de uma família na qual se vive o Evangelho de Jesus Cristo. E o Evangelho tem feito tanto para nós, que aceitei o chamado para uma missão de dois anos, às minhas próprias custas, para dizer ao povo o que sinto a respeito dele”.
Passado meio século, ainda não conseguia reter as lágrimas, ao contar como a senhora franqueou a porta, dizendo: “Entrem, rapazes, gostaria de ouvir o que vocês têm a dizer”.
Há grande poder nessa obra, e o membro comum dessa Igreja, amparado pelo Espírito, é capaz de fazer a obra do Senhor.
Ainda haveria muito mais a dizer. Poderia falar de oração, jejum, sacerdócio e autoridade, de dignidade – todos elementos essenciais à revelação. Quando bem compreendidos, todos se encaixam perfeitamente. Mas certas coisas a gente precisa aprender pessoalmente e sozinho, ensinado pelo Espírito.
Néfi interrompeu seu grande sermão a respeito do Espírito Santo e dos anjos, dizendo: “E agora... não posso dizer mais; o Espírito encerra minha fala.” (2 Néfi 32:7) Fiz o melhor que pude com minhas palavras. Talvez o Espírito tenha aberto um pouquinho o véu ou lhes confirmado um sagrado princípio de revelação, da comunicação espiritual.
Sei, por experiência sagrada demais para contar, que Deus vive, que Jesus é o Cristo, que o dom do Espírito Santo conferido a nós na confirmação é um dom divino.
O Livro de Mórmon é verdadeiro!
Esta é a Igreja do Senhor! Jesus é o Cristo! Somos presididos por um profeta de Deus! O dia dos milagres não cessou, tampouco as aparições de anjos aos homens! Os dons espirituais estão na Igreja, destacando-se entre eles o dom do Espírito Santo! ■

Por que a Igreja é Tão Verdadeira Quanto o Evangelho

Por que a Igreja é Tão Verdadeira Quanto o Evangelho (Eugene England)

Quando eu era pequeno, estava convencido de que a reunião mais desagradável da Igreja, talvez em todo o mundo, fosse a "conferência trimestral da Estaca". Naquela época, as conferências de estaca eram realmente realizadas a cada três meses e incluíam pelo menos duas sessões dominicais de duas horas cada, para todos os membros. Para nós crianças, os destaques mais interessantes eram as trêmulas canções que o coro das mães cantava e o solene apoio dado ao "Comitê de Abolição do Tabaco e do Álcool da Estaca".
Entretanto, uma conferência memorável ocorreu quando eu tinha 12 anos, sendo inesquecível por uma razão melhor. Eu estava sentado numa das primeiras fileiras porque meu pai estava sendo apoiado como sumo-conselheiro da estaca recém-formada. Eu estava de costas para o púlpito, implicando com minha irmã que se encontrava na fileira de trás da minha. De repente, senti algo, vagamente familiar, queimar no âmago do meu coração e de meus ossos; e depois, pareceu-me como se uma força física me virasse e me fizesse encarar a fisionomia transfigurada do Élder Harold B. Lee, a autoridade visitante. Ele interrompera seu discurso preparado previamente e estava pronunciando uma bênção apostólica sobre a estaca recém-criada. Assim, pela segunda vez, confirmava-se em minha vida a presença do Espírito Santo e do testemunho especial de Jesus Cristo.
Quantas conferências de estaca desagradáveis teria eu que assistir para, pelo menos uma vez, sentir a presença de tal graça? Milhares; todas. Aquela pérola era de valor inestimável. Além disso, desde então, passei a compreender melhor o que procurar e o que buscar nas conferências, com maior compreensão das experiências inspiradoras e edificantes dos outros membros; e elas não me parecem mais desagradáveis. Assim, um dos pilares mais importantes da minha fé foi edificado, não através de alguma percepção especial do evangelho, mas através de uma experiência que pude viver simplesmente por estar cumprindo minha obrigação na Igreja, ainda que de forma imatura.
Apesar disso, um dos clichês mais utilizados pelos mórmons é de que o evangelho é verdadeiro, até mesmo perfeito, mas que a Igreja, afinal de contas, é um instrumento humano, moldado pela história e, portanto, compreensivelmente imperfeita, como se fosse algo a ser tolerado por causa do evangelho. Estou convencido, através de experiências como a que tive naquela conferência de estaca e através de minhas conclusões que, de fato, a Igreja é tão "verdadeira", tão eficaz e tão segura como instrumento do Senhor quanto o sistema doutrinário que denominamos de evangelho, e que isso se deve, em boa parte, especificamente às faltas, exasperações humanas e problemas históricos que às vezes nos angustiam em relação à Igreja.
Aqueles que usam o clichê que se refere ao evangelho como mais "verdadeiro" do que a Igreja consideram o evangelho um sistema perfeito de doutrinas e mandamentos revelados e baseados em princípios cuja infalibilidade expressa as leis naturais do universo. O que é interessante é que o próprio universo, e portanto as leis e princípios naturais que o evangelho utiliza para descrevê-lo, parecem ser intrinsecamente paradoxais. A lei de Leí, "Porque é necessário que haja uma oposição em todas as coisas" (2 Néfi 2: 11), talvez seja a declaração mais provocadora e profunda da teologia abstrata que encontramos nas escrituras, porque ela descreve o que parece ser a essência do universo. No contexto, essa lei claramente sugere que a contradição e a oposição não somente fazem parte da experiência humana, algo que Deus utiliza para seus propósitos redentores, mas que a oposição existe no próprio âmago das coisas: que ela é intrínseca às duas realidades mais fundamentais, inteligência e matéria, o que Leí chama de "coisas que agem e coisas que recebem a ação" (versículo 14). De acordo com Leí, a oposição fornece ao universo energia e significado, tornando mesmo possível a existência de Deus e de tudo o mais; sem ela "todas as coisas teriam desaparecido" (versículo 13).
Todos sabemos por experiência quais as conseqüências dessa realidade fundamental e eterna sobre a vida mortal. Ao longo da história, as mais importantes e produtivas idéias têm sido paradoxais, ou seja, têm estado em oposição umas às outras: a força energizante de toda a arte tem sido o conflito e a oposição; a base do sucesso em todos os desenvolvimentos econômicos, políticos e sociais tem sido a competição e o diálogo. Considere o governo democrático fundamentado em salvaguardas e no equilíbrio de um sistema político bipartidário (que, no todo, torna possível a democracia pluralista) . Considere o Romantismo frente ao Classicismo (conflito esse que está no cerne da própria literatura, assim como da maioria dos movimentos literários), a razão frente a emoção, a liberdade diante da ordem, a integridade individual versus a responsabilidade comunitária, homens versus mulheres (cujas diferenças tornam possível o crescimento eterno), justiça em oposição à misericórdia (a combinação das quais torna possível nossa redenção através da expiação de Cristo).
A vida neste universo está eivada de polaridades e se torna plena por causa delas. Lutamos contra elas, reclamamos delas e até mesmo tentamos, às vezes, destruí-las através do dogmatismo ou de uma pretensa retidão pessoal, ou ainda nos escondendo atrás da inocência que não passa de ignorância, um retorno ao Jardim do Éden onde encontramos clareza e facilidade enganosas, mas não a salvação. William Blake, o grande poeta inglês oitocentista, ensinou que "sem os contrários não há existência" e alertou-nos de que "quem tenta reconciliar [os contrários] procura destruir a existência". Seja qual for o significado de que um dia veremos "face a face", no momento podemos apenas enxergar "por espelho, em enigma" (I Cor. 12: 13) e devemos tirar o maior proveito disso.
Sem dúvida, se o que chamamos de "evangelho" for simplesmente as boas novas da redenção através de Cristo (como é comum no Novo Testamento), ou se incluirmos apenas os princípios básicos da salvação que ficam implícitos quando dizemos "Sei que o evangelho restaurado é verdadeiro", estaremos referindo-nos a algo bastante definido e claro. Entretanto, como sabemos, o "evangelho pleno" não é e talvez nunca possa vir a ser - dada sua evidente natureza paradoxal - um conjunto singelo e claro de proposições inequívocas. Por mais claro e unificado que seja o nosso conhecimento da doutrina, nossa atual compreensão do evangelho, que é em última instância o que deve nos preocupar, é variada e limitada.
E é precisamente nesse ponto que entra a Igreja. Acredito que ela seja o melhor meio, depois do casamento (com o qual muito se parece neste aspecto), para ajudar-nos a ganhar a salvação através do enfrentamento construtivo das oposições da existência, apesar de nossas compreensões limitadas e variadas do "evangelho". Acredito que quanto melhor qualquer igreja ou organização for nessa função, "mais verdadeira" ela será. E quando chamo a Igreja Mórmon de "a igreja verdadeira", quero dizer que ela é a mais bem organizada para proporcionar tal ajuda, porque é divinamente organizada e dirigida - ela compõe-se e mantém sua eficácia através de revelações que vieram e continuam a fluir de Deus, sem importar o quão "enigmáticas" (obscuras) elas necessariamente venham a ser devido às nossas compreensões limitadas e variadas.
Martinho Lutero, com percepção inspirada, escreveu: "O casamento é a escola do amor" - ou seja, o casamento não é a habitação ou o resultado do amor, mas sim a sua escola. Acredito que qualquer igreja possa ser a escola do amor e que a Igreja Mórmon é a melhor, a "única igreja viva e verdadeira" (Doutrina e Convênios 1: 30) - não somente porque suas doutrinas ensinam e incorporam os grandes paradoxos essenciais e os princípios salvadores mais importantes, mas também porque a Igreja provê o melhor contexto no qual alguém pode lutar, trabalhar, resistir e ser redimido pelas respostas que temos para os paradoxos e oposições que dão energia e significado ao universo. Joseph Smith, também com inspirada percepção, escreveu em uma carta, pouco antes de morrer: "Através da prova dos opostos, a verdade se manifesta (History of the Church 6: 428). "Prova" significa, aqui, não somente uma demonstração lógica, mas também o ato de testar, ou seja, lutar com alguma concepção e realizar a experiência prática dessa idéia. A Igreja é tão verdadeira, tão eficaz quanto o evangelho porque ela envolve-nos diretamente nessa prova dos contrários, fazendo-nos trabalhar os opostos de forma construtiva dentro de nós próprios e especialmente no relacionamento com os outros, lutando no nível experimental com os paradoxos e polaridades que ajudam a redimir-nos. A Igreja é verdadeira porque ela é concreta, e não teórica. E apesar das contradições e problemas, até talvez mesmo por causa deles, ela produz o bem tanto quanto o evangelho.
Consideremos a razão dessa afirmativa: Na vida da Igreja verdadeira, como em um bom casamento, há oportunidades constantes para que todos sirvam, especialmente para aprender a servir aquelas pessoas que normalmente decidiríamos não servir, ou talvez nem nos associaríamos a elas, criando, assim, oportunidades de aprendermos e de amar incondicionalmente (o que, afinal de contas, é o mais importante aspecto a se aprender no evangelho). Há um encorajamento constante, até mesmo uma certa pressão, para sermos "ativos", para termos um chamado e assim nos vermos obrigados a lidar com relacionamentos e gerenciamento de organizações, com idéias e desejos de outras pessoas, seus sentimentos e fracassos. Assistir aulas, participar de reuniões e ouvir pessoas que muitas vezes expressam noções preconceituosas ou baseadas em informações errôneas, e ainda ter que produzir algum tipo de reação construtiva. Termos de nos sujeitar a líderes, e ocasionalmente sermos ofendidos por suas fraquezas e cegueira, e até mesmo sofrermos sob o exercício de injusto domínio, para depois sermos chamados para posições de liderança que nos farão descobrir que também nós, ainda que com a melhor das intenções, podemos ser fracos, cegos e injustos.
A participação na Igreja nos ensina a ser compassivos e pacientes, além de nos fazer desenvolver a coragem e a disciplina. Essa participação nos torna responsáveis pelo bem estar pessoal, conjugal, físico e espiritual de pessoas de quem talvez não gostemos (ou que talvez detestemos profundamente), e assim aprendemos a amá-las. Ela nos faz ir muito além do normal; ela nos dá desafios. Ganhamos, assim, uma chance de nos tornarmos melhores do que havíamos planejado, mas que, no fundo, é o nível de bondade que precisamos e queremos atingir.
Michael Novak, teólogo leigo católico, expressou a mesma idéia em relação ao casamento. Em um notável ensaio, publicado na edição de abril de 1976 do Harper's Magazine, ele analisou a crescente inclinação dos intelectuais modernos de resistir, atacar e afastar-se do casamento. Novak argumenta que a principal razão pela qual a família, que tradicionalmente era o principal baluarte da segurança econômica e emocional, é atualmente vista sob uma ótica desfavorável. Sustenta ele que os modernos formadores de opinião não desejam assumir os riscos nem submeter-se à disciplina exigida pela escola do casamento. Mas, em seguida ele mostra como tais temores, embora justificados, impedem que eles satisfaçam suas maiores necessidades. De maneira similar, acredito que aqueles que resistem, abandonam ou atacam a Igreja, por pura falta de perspectiva, não conseguem enxergar o que seria melhor para eles próprios. Para perceber melhor o meu argumento, ao ler a passagem de Novak que se segue, substitua mentalmente "casamento" por "Igreja":
O casamento é um ataque ao ego solitário e atomizado. Ele é uma ameaça ao indivíduo que ama a solidão. O casamento realmente impõe dificuldades, humilhações e responsabilidades frustrantes. No entanto, se alguém supõe que essas mesmas coisas são as precondições de toda verdadeira liberação, o casamento não é o inimigo do desenvolvimento moral dos adultos. De fato, é o oposto...
Sendo casado e tendo filhos, aprendi certas lições, pelas quais não posso deixar de ser grato. A maioria é de lições de dificuldades e de asperezas. A maior parte do que sou obrigado a aprender sobre mim mesmo não é agradável... Minha dignidade de ser humano depende talvez mais do tipo de marido e pai que sou do que da minha profissão. Meus laços de família me restringem (e muito mais à minha mulher) de muitos tipos de oportunidades. E, no entanto, esses laços não parecem limitações... Eles são, como sei agora, minha libertação. Eles me forçam a ser um ser humano diferente, de uma maneira que eu desejo e preciso ser forçado a ser. (P. 42)
Presto testemunho de que a Igreja pode trazer as mesmas responsabilidades humilhantes e frustrantes, bem como os resultados libertadores e redentores para nós se conseguirmos vê-la como Novak vê o casamento, se pudermos entender que ela ataca nossos egos solitários e que seus laços e responsabilidades, que aceitamos de boa vontade, podem nos arrastar em direção a um tipo de ser que, em última instância, profundamente desejamos e precisamos nos tornar.

Duas chaves para entendermos esse poder paradoxal da Igreja Mórmon são, primeiro, que ela é, por revelação, uma igreja leiga, até mesmo radicalmente leiga, mais do que qualquer outra, e, segundo, que ela organiza suas congregações geograficamente, em vez de fazê-lo por preferência pessoal. Sei que há exceções, mas a experiência básica na Igreja para quase todos os mórmons é de que ela os coloca, direta e constantemente, em relações que exigem muito deles e que demandam muita proximidade de uma variedade de pessoas e problemas em suas respectivas congregações que não foram, em princípio, de sua própria escolha, mas que têm um profundo potencial redentor, em parte porque não foram escolhidas conscientemente. Sim, as ordenanças feitas na Igreja são importantes, assim como o são os textos escriturísticos, as exortações morais e as orientações espirituais. Mas, mesmo estes, em minha experiência, são poderosos e redentores, em parte porque funcionam em harmonia com oposições profundas e estimulantes que permeiam a estrutura da Igreja a fim de dar credibilidade e sentido à vida religiosa dos mórmons.
Permitam-me ilustrar: Em uma das últimas mensagens da conferência geral, durante a sessão vespertina do sacerdócio de 5 de outubro de 1968, o Presidente David O Mckay deu uma declaração que foi um tanto chocante para muitos de nós que estamos condicionados a pensar que os profetas não têm qualquer dificuldade em obter manifestações divinas. Ele relatou sua luta vã ao longo de toda a sua adolescência para obter de Deus "uma declaração pessoal da veracidade da primeira visão de Joseph Smith". Ele orou, "com fervor e sinceridade", nas colinas e em casa, mas tinha de constantemente admitir a si mesmo que "nenhuma manifestação viera a mim." Mas ele continuou a buscar a verdade e a servir os outros no contexto do mormonismo, o que incluiu uma missão na Grã-Bretanha, principalmente em virtude da confiança que tinha em seus pais e na benignidade de suas próprias experiências. Finalmente, o próprio Presidente McKay concluiu:
A manifestação espiritual pela qual eu tinha orado quando adolescente veio como conseqüência natural do desempenho do dever. Como declarou o apóstolo João, "E se alguém quiser fazer a vontade dele, pela mesma doutrina conhecerá se ela é de Deus, ou se eu falo de mim mesmo." (João 7: 17).
Uma marcante reunião do sacerdócio seguiu-se a uma série de reuniões da conferência realizada em Glasgow, Escócia. Lembro-me, como se fosse ontem, da intensidade da inspiração daquela ocasião. Todos sentiram o rico derramamento do Espírito do Senhor. Todos os presentes estavam verdadeiramente unidos em coração e mente e nunca antes eu experimentara uma emoção como aquela. Era uma manifestação pela qual eu havia orado secretamente e com imenso desejo enquanto caminhava pelas colinas e pelos prados...
Durante o desenrolar da reunião, um élder, por iniciativa própria, levantou-se e disse: "Irmãos, há anjos nesta sala." Por mais estranho que pareça, sua declaração não pareceu surpreender ninguém; de fato, suas palavras pareciam absolutamente apropriadas, embora a mim não houvesse ocorrido que houvesse seres divinos ao redor. Eu somente sentia-me transbordando de gratidão pela presença do Espírito Santo. (Improvement Era, Dezembro de 1968, p. 85).
Desde então, tive muitas confirmações do testemunho profético prestado pelo Presidente McKay naquela ocasião. A maioria das minhas profundas manifestações espirituais, aquelas que formam o sólido alicerce do testemunho que tenho da realidade de Deus e de Cristo e do trabalho divino deles, assim como os meus desafios morais mais perturbadores e mais extenuantes, os conflitos pessoais que mais me amadureceram relacionados às grandes questões humanas, tais como integridade pessoal versus responsabilidade pública, lealdade para comigo ou para com a comunidade, liberdade redentora versus estrutura e ordem redentoras, todos esses vieram, como disse o Presidente McKay, "como conseqüência natural do desempenho da obrigação" na Igreja.
Sei que pessoas incomuns encontraram Deus em lugares incomuns, em uma súbita visão em um bosque, pomar ou caverna, ou talvez em uma montanha ou dentro de um armário, ou ainda através de serviço abnegado aos leprosos africanos ou aos intocáveis de Calcutá. Mas tenho certeza de que, para a maioria de nós e na maior parte do tempo, ele pode ser encontrado mais seguramente na "seqüência natural do desempenho" das tarefas que ele confiou a todos (não apenas aos incomuns) para podermos agir em nossos próprios lares e vizinhanças e para que a Igreja, em sua comunidade ímpar, seja imposta ou escolhida, possa ensinar-nos e conferir-nos poder de forma mais perfeita.
Obtive um elevado testemunho da divindade d’O Livro de Mórmon, a ponto de o espírito comover-me e levar-me às lágrimas sempre que leio qualquer passagem dele; e eu o obtive ensinando a respeito dele na Igreja. Certo domingo, quando eu era bispo, tentei ajudar uma jovem que tentara o suicídio várias vezes, a última pouco antes de nosso encontro. Ela tinha profunda baixa estima e auto-rejeição. Senti-me compelido a simplesmente ler para ela passagens do Livro de Mórmon sobre a expiação de Cristo. Tenho certeza de que esse livro oferece a mais abrangente "Cristologia" ou a doutrina de como Cristo nos salva do pecado, algo que está à nossa disposição aqui na terra, e que as evidências internas da divindade do livro destróem totalmente as evidências e argumentos contrários a ele. O mais importante para mim em tudo isso, todavia, é que ao ler aquelas passagens para a jovem desesperada, prestando o meu testemunho da veracidade e poder delas em meus próprios momentos de desespero e pecado, seus lábios começaram a tremer tocados por novos sentimentos e lágrimas de esperança surgiram no lugar daquelas que tinham sido de angústia.
Em momentos como esse, fui capaz, em virtude do meu chamado como bispo, de aplicar o sangue expiatório de Cristo, não teoricamente, mas na verdadeira prática. Além disso, vim a conhecer a ministração de anjos por ter cumprido minha obrigação de visitar o templo e assistido, sempre que possível, a dedicações de templos. Por isso, vim a descobrir que nós mortais temos o poder real de “abençoar nossos bois” e as pessoas, o que aprendi como presidente de ramo por ter sido levado aos limites da minha fé pelo meu senso de responsabilidade em relação a meus irmãos e irmãs daquele pequeno ramo.
Antes de servir como presidente de ramo, servi no bispado da Ala Stanford, Califórnia, em meados da década de 1960, tendo sido professor de jovens brilhantes no Instituto de Religião de Palo Alto. Simultaneamente eu fazia pós-graduação em literatura inglesa, tentando lidar com o ceticismo, o relativismo e os dilemas morais dos direitos civis e dos movimentos pacifistas e revoluções educacionais da época. Eu tendia a encarar a religião como um conjunto de amplas questões morais e filosóficas.
Em 1970, aceitei o cargo de Pró-Reitor de Assuntos Acadêmicos em St. Olaf, uma faculdade luterana de Artes localizada na pequena cidade de Norhfield, Minnesota. Na semana que cheguei lá, fui chamado como presidente do pequeno ramo da Igreja que havia naquela área. Entrei, de repente, em um mundo inteiramente diferente, um mundo que me testou severamente e que me ensinou muito a respeito do verdadeiro significado de “religião”. Em Stanford, a maior parte da minha vida religiosa havia sido relacionada com a compreensão e defesa do evangelho ― o que tinha um caráter idealista, abstrato e crítico. Em Northfield, como presidente de um ramo com 20 famílias espalhadas em um raio de 120 quilômetros, que incluía desde membros “inativos” e durões originários de Utah, cheios de devastadores problemas conjugais, até conversos desempregados e oriundos de lares onde os pais viviam embriagados e os espancavam, mas que tinham a expectativa expressa em seus olhares. Logo vi-me envolvido em uma vida religiosa que era prática, específica, sacrificada, exasperadora ― e, ao mesmo tempo, mais satisfatória e redentora. Vi, então, com mais clareza, quão verdadeira a Igreja é como instrumento de apresentação dos processos de salvação para todos os tipos de pessoas, apesar ― e até mesmo por causa ― do gerenciamento feito por instrumentos imperfeitos como eu mesmo.
Lembro-me de um jovem daquele ramo que havia sido profundamente machucado socialmente por uma combinação de problemas mentais e familiares. Era-lhe difícil até mesmo falar em público ou organizar sua vida de maneira produtiva. Ele tornou-se membro antes de minha chegada e, à medida que lhe dávamos cada vez responsabilidades maiores no ramo e o apoiávamos com amor e paciência, vi-mo-lo transformar-se em um bom líder e num marido confiante. Lembro-me de uma senhora cujo marido não-membro transformara a vida dela em um inferno de abuso impelido pelo álcool. Apesar disso, ela pacientemente cuidava dele, trabalhava fora o dia inteiro para sustentar a família e vinha à Igreja todo domingo em roupas desgastadas mas finas e com tolerante determinação. Lá ela encontrava, com nossa ajuda, um pouco de esperança, alguma beleza e idealismo, além de alguma força, não somente para resistir, mas para continuar a amar o que, por todos os parâmetros, era impossível de se amar. A Igreja nos abençoou a todos por nos unir.
Durante os cinco anos que os servi, havia, entre os cerca de setenta a cem membros, talvez uns cinco que eu normalmente escolheria como amigos enquanto vivia em Stanford ― e com quem eu poderia facilmente compartilhar minhas mais apaixonadas e “importantes” preocupações e opiniões políticas e religiosas, aquelas que haviam tanto me estimulado antes. Porém, com uma inspiração muito além de minha capacidade, não comecei meu período como presidente do ramo tentando pregar-lhes minhas idéias ou promover minhas cruzadas. Tentei, com grande esforço, compreender quais eram os problemas e preocupações imediatas do meu rebanho e procurei ser um bom pastor, um que os nutrisse e protegesse. Aí, então, aconteceu uma coisa importantíssima. Viajei centenas de quilômetros e passei várias horas ajudando um casal que havia-se magoado tanto um ao outro, a ponto de não mais se falarem. Ajudei-os a aprender a conversar de novo. Ajudei um estudante a afastar-se das drogas; ensinei um homem muito dominador a trabalhar de maneira cooperativa com seus conselheiros na escola dominical; abençoei um bebê doente, com a ajuda de seu pai, cuja fé era fraca e titubeante; confortei, no hospital, às quatro da manhã, os pais de um jovem que morrera em um acidente provocado por seu irmão que dirigia embriagado ― ajudando, depois, o irmão a perdoar-se. Descobri, depois de seis meses, que os membros do meu ramo, em princípio céticos quanto a um intelectual vindo da Califórnia, sentiram em seu âmago, por experiência direta, que minha fé e minha devoção a eles e àquelas coisas que eram importantes para eles eram “mais forte do que os laços da morte”. Senti, então, que, de certa forma, o resultado prometido em Doutrina e Convênios 121: 44-46 era verdadeiro, pois de mim fluía “sem medidas compulsórias” o poder de falar sobre quaisquer de minhas preocupações e paixões e ser confiável e compreendido, mesmo que não concordassem comigo.
Pode parecer que tudo isso sejam considerações egoístas e até mesmo obsessivas relativas à contribuição da Igreja com a minha maturidade espiritual. Mas, o que estava acontecendo comigo estava acontecendo com outros. Um jovem casal que vivera um ano no exterior, longe da Igreja, veio morar no ramo. Eles haviam-se mudado para o exterior logo após o batismo da esposa. A experiência de Igreja que eles tinham, especialmente a dela, tinha sido orientada essencialmente para os conceitos e convicções do Evangelho, com sentimentos profundos e idealistas, mas abstratos, envolvendo muito pouco serviço ao próximo. Ela era uma mulher reservada emocionalmente, sendo também brilhante, criativa e muito crítica ― temendo, portanto, expor-se emocionalmente ou enfrentar situações sem controle. O marido era detalhista, distante e, de certa forma, frio. Chamei-os, apesar de sua resistência inicial, para cargos cada vez de maior responsabilidade e de envolvimento direto com os outros membros; aí eu os vi desenvolverem-se, apesar de algumas lágrimas e dores, tornando-se amigáveis, empáticos, mais humanos e compreensivos, prontos a servir e a aprender com os outros, além de serem percebidos por pessoas bem diferentes deles como mais confiáveis. Eu os vi aprenderem que são essas exasperações, dificuldades, sacrifícios e desapontamentos que caracterizam o envolvimento em uma igreja leiga como a nossa ― e que são tão difíceis de serem aceitas por liberais idealistas ― são uma das principais fontes do poder da Igreja de nos ensinar a amar. Aquelas duas pessoas estão agora ensinando a outros o que aprenderam.
Essa lição ― de que os problemas característicos da Igreja estão entre seus pontos fortes ― tem sido confirmada a mim, continuamente, enquanto venho servindo como bispo de uma ala de jovens estudantes solteiros na Universidade de Brigham Young. As duas bênçãos mais diretas e miraculosas que o Senhor nos deu quando a ala foi organizada pareciam ser apenas problemas: uma criança quadriplégica e espástica em uma família e um casal com sérias limitações em outra. Eu já conhecia a mãe da criança quadriplégica há um ano, aproximadamente. Como membro do sumo-conselho, visitei a ala dela e dei um discurso sobre a Expiação na Reunião Sacramental. Após a reunião, ela procurou-me para pedir conselho e ajuda. Ela sentia um misto de raiva e culpa profundas enquanto lutava para entender porque um erro médico havia transformado um de seus filhos gêmeos em uma desesperadora carga emocional e financeira que tinha obrigado seu marido a desistir de continuar os estudos e da profissão almejada. Esse era um árduo teste para seu casamento e sua fé, especialmente quando as bênçãos do sacerdócio pareciam não funcionar, o que a deixou a um passo de um colapso e da apostasia.
Agora, um ano mais tarde, enquanto eu orava por orientação para organizar uma nova ala, senti tão claramente quanto já sentira muitas vezes antes um daqueles “toques de inteligência” que Joseph Smith descreveu, inspirando-me a chamá-la para ser a presidente da Sociedade de Socorro. Chamei-a e, apesar de estar a ponto de mudar-se, ela aceitou. Ela tornou-se a principal fonte de um espírito inigualável de comunicação honesta e de um sentido genuíno de comunidade que logo permeou a ala. Ela visitou todas as famílias e compartilhou com elas, sem reservas, seus sentimentos, dificuldades, sucessos e necessidades. Assim como seu marido, ela falava abertamente nas reuniões sobre seu filho, os problemas deles e desse filho, pediam e aceitavam ajuda, e enquanto isso, ela persistia e executava suas obrigações. Todos nós, membros da ala, aprendemos com aquele casal a ser mais sinceros, vulneráveis, sociáveis e persistentes, além de sermos capazes de voltarmo-nos uns para os outros para buscar e oferecer ajuda sem fazer julgamentos.
Conheci o casal que tinha sérias limitações quando eles vagavam pelos corredores da nossa capela no primeiro domingo de reuniões de nossa ala. Eles não procuravam a ala; de fato eles viviam um pouco além da linha divisória de nossa ala, mas não tenho dúvidas de que o Senhor os enviou. Eles demandaram um gasto significativo de recursos de nossa ala ― tempo, ajuda de bem-estar, paciência e tolerância ― enquanto trabalhávamos com eles para arranjar-lhes emprego, um lugar digno para morar, uma saída para as dívidas e para torná-los capazes de cuidar de seu filho irrequieto e inteligente, além de tentar ajudá-los a se tornarem mais discretos nas reuniões e menos grosseiros no relacionamento humano. Com isso, aprendi duas lições: primeiro, a estrutura e os recursos da Igreja (que são previstos para serem usados com esforço disciplinado, voluntário e cooperativo, tendo objetivos essencialmente espirituais) são adequados como meios com os quais se pode estabelecer um sistema de apoio para um casal como o do exemplo, além de ser capaz de unir a família e abençoá-la com maior progresso. Segundo, as bênçãos fluíram sobre a ala tanto quanto sobre o casal, à medida que aprendíamos a expandir nossas idéias sobre o que é um comportamento “aceitável”, além de ampliar nossa capacidade de amar, servir e aprender com pessoas que, de outro modo, nem ficaríamos conhecendo. Certa irmã telefonou-me para relatar seus esforços de ensinar àquela mulher algumas habilidades maternais e de cuidados com o lar e confessou seus ressentimentos e frustrações iniciais, dizendo em seguida, em lágrimas, o quanto seu próprio coração havia amolecido e sua “dura cerviz” havia-se inclinado ao aprender coisas com aquela irmã tão diferente dela.
Esses exemplos, creio, referem-se ao que Paulo fala em 1 Coríntios 12, o extraordinário capítulo sobre os dons, no qual ele ensina que todas as partes do corpo de Cristo ― a Igreja ― são necessários em virtude de seus diferentes dons e que, de fato, aqueles que têm dons “menos dignos” e “sem atrativos” são mais necessários e demandam mais atenção e honra ― talvez porque o mundo automaticamente iria honrar e utilizar os outros.
É na Igreja especialmente que aqueles cujas qualidades (“dons”) de vulnerabilidade, dor, incapacidade, necessidade, ignorância, arrogância intelectual, orgulho social e até mesmo preconceito e pecado ― aqueles que Paulo chama de membros que “parecem ser mais fracos” ― podem ser aceitos, ajudados e podem até ensinar, tornando-se parte do corpo para que, no conjunto, todos sejam abençoados. É na Igreja que aqueles que têm dons mais atraentes e que são honrados pelo mundo, tais como as riquezas e a inteligência, podem aprender o que mais necessitam ― servir, amar e pacientemente aprender com aqueles que têm os outros dons.
Todavia, isso é muito difícil para o “rico” e para o “instruído”. É por esta razão que aqueles que possuem aqueles dons perigosos tendem a não compreender e a ridicularizar a Igreja ― que, afinal, é composta de membros simples e impuros, da classe média, daqueles sem sofisticação política e que são vítimas de preconceitos, membros comuns como a maioria de nós. E todos sabemos o quão aborrecidos esses podem ser! Estou convencido de que nossa salvação está calcada justamente nessa exasperação, se formos capazes de permitir que o contexto no qual mais ficam evidentes essa mazelas ― a Igreja ― torne-se nossa escola de amor incondicional. Mas isso exige uma mudança de perspectiva, mudança essa que vou agora resumir.
A Igreja é tão “verdadeira” quanto ― isto é, tão eficaz para a salvação quanto ― o evangelho. A Igreja é o lugar onde existe oposição frutífera, o lugar no qual sua própria natureza revelada e inspirada mantém uma oposição entre valores conservadores e liberais, fé e dúvida, autoridade segura e liberdade temerária, integridade individual e responsabilidade pública ― e é, portanto, onde haverá tanto iniqüidade quanto santidade, o bem tanto quanto o mal. E se não pudermos suportar a miséria e a luta, se preferirmos que a Igreja seja “um composto de um só”, tal como Lei descreveu (calma, perfeita e sem desafios, sem oposição interna e, portanto, fadada a “desaparecer”) em vez de ser como ela é, cheia da irritante diversidade humana e de insistência permanente em participarmos de ordenanças e obedecermos instruções, de levar a sério ensinamentos que incorporam paradoxos que não têm solução lógica ― se nos recusarmos a nos perdermos de todo coração em tal escola, nunca conheceremos a verdade redentora da Igreja. Se perguntarmos continuamente “O que a Igreja fez por mim?”, nos esqueceremos de fazer a pergunta mais importante: “O que estou fazendo com as oportunidades de serviço e com os desafios que a Igreja me oferece?”. Se constantemente abordarmos a Igreja como consumidores, nunca compartilharemos de seu fruto doce e que satisfaz. Somente se pudermos perder nossas vidas é que nos encontraremos.
É precisamente na luta para sermos obedientes enquanto mantemos nossa independência, para ter fé enquanto nos mantemos fiéis à razão e à evidência, para servir e amar apesar das imperfeições e até mesmo das ofensas é que poderemos ganhar a humildade que necessitamos para permitir que o poder divino entre em nossas vidas de forma transformadora. Talvez o mais surpreendente paradoxo relacionado à Igreja seja o fato de ela trazer ao mesmo tempo o divino e o humano ― através do serviço do sacerdócio, das ordenanças, dos dons do Espírito ― de uma forma concreta que nenhum sistema abstrato de idéias poderia fazer.
Meu objetivo neste artigo não foi o de ignorar os problemas reais da Igreja ou o poder das verdades do evangelho. Como tentei sinalizar o tempo todo, a força paradoxal da Igreja deriva dos paradoxos verdadeiros do evangelho que ela incorpora; são contrários que necessitamos, com os quais precisamos lutar de maneira mais profunda na Igreja. Todos devemos engajar-nos não somente em aceitar os conflitos e exasperações da Igreja como instrumentos redentores, mas em tentar, de maneira genuína, encontrar soluções possíveis e reduzir as exasperações desnecessárias. (De fato, é somente quando nos envolvemos nos problemas, considerando-os não apenas exercícios intelectuais, mas dificuldades que precisam ser solucionadas, é que esses se tornam redentores).
Entretanto, juntamente com nossa sensibilidade pelos problemas, devemos também, creio, ter mais respeito pela verdade da ação, da experiência, às quais a Igreja nos expõe de maneira inigualável, para que respondamos com coragem e criatividade. Devemos ser ativos, perceptivos, fiéis, crentes, devemos procurar a verdade e promover a união do corpo de Cristo. Para fazê-lo, devemos aceitar a Igreja como verdadeira em dois sentidos importantes: primeiro, ela é o repositório de verdades redentoras capitais e da autoridade para executar ordenanças essenciais à salvação. Embora, como já percebi, seja difícil descrever tais verdades em simples proposições, tomadas em conjunto elas aumentam e tornam eficaz o desejo de servir que cria a experiência redentora que descrevi. Segundo, além de ser o repositório de princípios verdadeiros e de autoridade, a Igreja é o instrumento que nos foi dado por um Deus amoroso para nos ajudar a tornar-nos como Ele. Ou seja, para nos proporcionar experiências essenciais ― experiências mútuas que podem nos unir e transformar-nos em uma comunidade honesta e amorosa, que é o loco essencial da salvação. Se não pudermos aceitar a Igreja e o desafio que ela nos proporciona com a abertura e a humildade requeridas, nossos estudos históricos e nossos esforços teológicos serão nada mais do que perda de tempo ― podendo até mesmo serem destrutivos. Não podemos apreciar adequadamente a história do mormonismo ou conhecer a verdade do evangelho restaurado que a Igreja oferece, a menos que comprendamos ― e ajamos ― de acordo com a verdade da Igreja.

Tradução de Edson J M Lopes

Lições da Cadeia de Liberty

Lições da Cadeia de Liberty (Élder Jeffrey R. Holland, do Quórum dos Doze Apóstolos)

Serão do SEI para Jovens Adultos • 7 de setembro de 2008 • Universidade Brigham Young
http://lds.org/broadcast/ces/CES_Sep2008_Holland_04523_059_000.pdf

Meus queridos jovens amigos, é emocionante para minha esposa e eu estarmos com vocês esta noite para esta transmissão mundial via satélite. É sempre emocionante estar no Marriott Center. Gostaria que nos fosse possível estar com vocês aí, em cada congregação, vê-los pessoalmente e poder apertar a mão de cada um. Ainda não descobrimos um modo de fazer isso usando a tecnologia, mas o nosso amor e saudação se estendem a todos vocês, não importa em que parte do mundo estejam. Apesar da vastidão de nossa audiência global, esperamos que cada um de vocês sinta individualmente o amor que lhes temos e consiga tirar de nossa mensagem de hoje algo que se aplique a sua vida pessoal.
O Profeta na Cadeia de Liberty
Uma das grandes bênçãos de nossas responsabilidades como Autoridades Gerais é a oportunidade de visitar os membros da Igreja em vários locais no mundo todo e aprender com a história vivida por eles em todo o globo. É nesse espírito que desejo falar a vocês hoje de algumas das coisas que senti na última primavera, quando fui encarregado de visitar a Estaca Platte City no oeste do Missouri, aqui nos Estados Unidos.
A Estaca Platte City Missouri fica junto à Estaca Liberty Missouri, agora tão conhecida por seu significado histórico e por englobar vários locais importantes para a história da Igreja, inclusive a Cadeia de Liberty, cujo nome é irônico (Cadeia da Liberdade). Graças ao estudo da história da Igreja, todos vocês sabem um pouco do que o Profeta Joseph Smith e outros irmãos da Igreja passaram enquanto estavam aprisionados naquele prédio durante o inverno de 1838–1839. Foi um momento terrivelmente difícil de nossa história, para a Igreja em geral, e com certeza para o próprio Profeta Joseph, que suportou o impacto da perseguição naquele período. De fato, arrisco dizer que, até seu martírio cinco anos e meio depois, não houve época mais penosa na vida de Joseph do que essa prisão cruel, ilegal e injustificada na Cadeia de Liberty.
O tempo não permite a exposição detalhada das experiências que levaram a esse momento na história da Igreja, mas basta dizer que problemas de vários tipos vinham-se acumulando desde que o Profeta Joseph recebera uma revelação em julho de 1831 apontando o Missouri como o local consagrado “para a reunião dos santos” e para a construção da “cidade de Sião” (D&C 57:1, 2). Em outubro de 1838, uma guerra total parecia inevitável entre as forças mórmons e não-mórmons que se confrontavam nessas questões. Depois de serem expulsos de vários condados do Oeste daquele Estado, e presumindo que tivessem sido convidados a discutir maneiras de serenar a situação delicada a que haviam chegado, cinco líderes da Igreja, incluindo o Profeta Joseph, marcharam sob uma bandeira de trégua, e aproximaram-se do acampamento da milícia do Missouri perto do pequeno povoado de Far West, no Condado de Caldwell.
A bandeira de trégua acabou não surtindo nenhum efeito, e os líderes da Igreja foram imediatamente acorrentados e postos sob severa vigilância. Na manhã seguinte a essa prisão, mais dois líderes da Igreja, inclusive o irmão do Profeta, Hyrum, foram levados como prisioneiros, perfazendo um total de sete presos.
A injustiça evoluiu rapidamente para uma possível tragédia quando um “tribunal” militar convocado por oficiais da milícia determinou que Joseph Smith e os outros seis prisioneiros fossem levados à praça pública de Far West e fossem sumariamente fuzilados. O General de Brigada Alexander Doniphan, oficial das forças do Missouri, terá eternamente em seu crédito o fato de que arrojada e corajosamente recusou-se a cumprir a ordem desumana e injustificável. Numa atitude ousada que poderia tê-lo levado à corte marcial, ele bradou contra o oficial comandante: “Isso é assassinato a sangue frio. Não cumprirei sua ordem. (…) E se o senhor executar esses homens, vou levá-lo a responder por isso perante um tribunal terreno, juro por Deus!”1
Ao mostrar tal coragem e integridade, Doniphan não apenas salvou a vida daqueles sete homens como também tornou-se para sempre caro aos santos dos últimos dias de todas as gerações.
Afastada a possibilidade de execução, aqueles sete homens foram obrigados a marchar a pé de Far West até Independence, e depois de Independence a Richmond. Parley P. Pratt foi enviado de volta ao condado de Daviess, que ficava perto, e os outros seis prisioneiros, inclusive Joseph e Hyrum, foram enviados a Liberty, a sede do condado vizinho, o condado de Clay, para ali aguardarem o julgamento que seria na primavera seguinte. Eles chegaram a Liberty em 1º de dezembro de 1838, pouco antes do começo do inverno.
A cadeia, uma das poucas estruturas do tipo naquela região, e com certeza uma das mais sinistras, era considerada à prova de fuga, e provavelmente era mesmo. Tinha dois andares. O andar superior dava acesso ao mundo exterior por uma única porta, pequena e pesada. No centro daquele andar havia um alçapão pelo qual os prisioneiros eram então baixados até o piso inferior ou masmorra. As paredes externas da prisão eram de pedra calcária toscamente cortada, com paredes internas de troncos de carvalho com 30 cm de espessura. Essas duas paredes eram separadas por um espaço de 30 cm preenchido com pedras soltas. Juntas, essas paredes formavam uma barreira formidável e virtualmente impenetrável, com 1,22 m de espessura.
Na masmorra, a altura do chão ao teto mal chegava a um metro e oitenta, e como alguns dos homens, inclusive o Profeta Joseph, tinham mais de um metro e oitenta de altura, isso significava que, quando em pé, tinham que ficar constantemente curvados, e quando se deitavam, a maior parte do tempo era sobre as pedras rústicas e nuas do chão da prisão, cobertas aqui e ali com um pouco de palha solta e suja ou às vezes uma esteira de palha suja.
A comida que davam aos prisioneiros era péssima e por vezes contaminada, tão imunda que um deles disse que não conseguiam comê-la até serem obrigados pela fome mais extrema.2 Em nada menos que quatro ocasiões, deram-lhes comida envenenada, fazendo com que ficassem tão extremamente doentes que passavam dias entre o vômito e uma espécie de delírio, sem ao menos se importarem se viveriam ou morreriam. Nas cartas do Profeta Joseph, ele se referiu à cadeia como sendo um “inferno, rodeado de demônios (...) onde tudo o que ouvimos são impropérios blasfemos e onde somos obrigados a testemunhar cenas de blasfêmia, bebedice, hipocrisia e deboches de todo tipo”.3 “Não temos (…) cobertores suficientes para nos aquecer”, comentou, “e quando fazemos fogo, somos obrigados a suportar a fumaça quase o tempo todo”.4 “Nossa alma está prostrada”5 e “meus nervos tremem por causa do longo confinamento”.6 “Nem a pena, nem a língua, nem os anjos”, escreveu Joseph, poderiam descrever fielmente “a malevolência infernal” que ele sofreu ali.7 E tudo isso ocorreu durante o que, em alguns relatos, foi considerado o inverno mais frio já registrado no Estado do Missouri até então.
Meu propósito não é fazer deste discurso uma ocasião para falar da dor e das dificuldades que esses homens enfrentaram na Cadeia de Liberty; assim, deixem-me pôr algumas fotos na tela e concluir essa breve parte introdutória da minha mensagem. Garanto que tenho algo mais em mente para dizer.

Eis uma foto da cadeia ainda bem semelhante ao que era na época em que Joseph e aqueles irmãos foram ali encarcerados.

Aqui está uma foto tirada alguns anos depois, quando líderes e historiadores da Igreja visitaram o local. Não sei se aquela pessoa no alto está tentando sair ou entrar.

Esta é uma seção transversal da reconstrução da prisão, feita pela Igreja, e que pode agora ser vista em nosso centro de visitantes. Observem a disposição em dois andares com uma corda e um balde, a única ligação entre a masmorra e o piso superior.

Eis aqui uma pintura de Liz Lemon Swindle mostrando Joseph em oração. Percebam a expressão desolada e suplicante no rosto de Joseph.

E aqui está uma representação feita por Greg Olsen mostrando como Joseph talvez tenha escrito algumas das revelações que recebeu na prisão.

E esta é a última foto, que me leva à verdadeira mensagem que vim dar esta noite.
Uma Experiência num Templo-Prisão
A maioria de nós, a maior parte do tempo fala sobre o edifício em Liberty imaginando uma “cadeia” ou “prisão” — e com certeza era isso. Porém, o Élder Brigham H. Roberts, ao registrar a história da Igreja, falou do local como se fosse um templo, ou mais precisamente um “templo-prisão”.8 O Élder Neal A. Maxwell usou a mesma fraseologia em alguns de seus escritos.9 Certamente faltava ao edifício a pureza, a beleza, o conforto e a limpeza de nossos verdadeiros templos, nossos templos dedicados. O palavreado e o comportamento dos guardas e criminosos que ali entravam não se assemelhavam em nada ao que vemos nos templos. De fato, a brutalidade restritiva e a injustiça do que houve em Liberty fariam com que parecesse a própria antítese do espírito de libertação e misericórdia de nossos templos e das ordenanças neles realizadas. Então, em que sentido a Cadeia de Liberty poderia ser chamada de “templo” — ou ao menos um tipo de templo — no desenvolvimento pessoal de Joseph Smith e de seu papel como profeta? E o que esse título nos diz sobre o amor e os ensinamentos de Deus, inclusive sobre onde e quando esse amor e ensinamentos são manifestados?
Ao pensarmos sobre essas coisas, será que percebemos que as experiências espirituais, experiências reveladoras e experiências sagradas podem acontecer a todos nós em todos os muitos e variados estágios e situações de nossa vida se as desejarmos, se ficarmos firmes e continuarmos a orar, e se mantivermos a fé forte durante as dificuldades? Amamos e prezamos nossos templos dedicados e as ordenanças essenciais e exaltadoras que ali são realizadas. Damos graças aos céus e aos irmãos que presidem a Igreja e por esses templos estarem sendo construídos em números crescentes, dando mais acesso a eles um número cada vez maior de membros. Eles são verdadeiramente os edifícios mais sagrados do reino de Deus, aos quais devemos ir com a maior pureza e freqüência possíveis.
Porém, a mensagem desta noite é que, quando precisarmos, podemos ter experiências sagradas, reveladoras e profundamente instrutivas com o Senhor em qualquer situação em que estejamos. Na verdade, permitam-me dizer isso de um modo um pouco mais enfático: Podemos ter experiências sagradas, reveladoras e profundamente instrutivas com o Senhor nos momentos mais angustiantes da vida — nos piores lugares, ao sofrer as injustiças mais dolorosas, ao enfrentar os reveses e a oposição mais insuperáveis que jamais enfrentamos.
Agora, falemos dessas afirmações por um instante. Cada um de nós, de um modo ou de outro, grandioso ou pequeno, extraordinário ou ocasional, vai passar algum tempo na Cadeia de Liberty — espiritualmente falando. Enfrentaremos coisas que não queremos enfrentar e que talvez nem tenham acontecido por culpa nossa. Na verdade, talvez enfrentemos situações difíceis por causa de atitudes absolutamente corretas de nossa parte, exatamente por tentarmos guardar os mandamentos do Senhor. Talvez tenhamos que enfrentar perseguição; talvez tenhamos que suportar a tristeza e a separação de entes queridos, ou fome, frio e desconsolo. Sim, antes que a vida chegue ao fim talvez todos tenhamos que experimentar um pouquinho do que os profetas muitas vezes enfrentaram; mas as lições do inverno de 1838–1839 nos ensinam que toda experiência pode transformar-se numa experiência redentora se permanecermos ligados ao Pai Celestial durante essa dificuldade. Essas difíceis lições nos ensinam que os momentos excruciantes para o homem são oportunidades para Deus, e que se formos humildes e fiéis, se crermos e não amaldiçoarmos a Deus por nossos problemas, Ele pode transformar as prisões injustas, desumanas e debilitantes de nossa vida em templos — ou pelo menos em algo que traga consolo e revelação, a companhia divina e a paz.
Vou levar o conceito um pouco mais além. Acabo de dizer que tempos difíceis podem surgir para nós. O Presidente Joseph Fielding Smith, sobrinho-neto do Profeta Joseph e neto de Hyrum, que também foi encarcerado, disse algo ainda mais incisivo quando dedicou o Centro de Visitantes da Cadeia de Liberty em 1963. Aludindo ao tipo de história que examinamos esta noite e diante do cenário em que seu avô e tio-avô foram mantidos tão injustamente, ele disse que talvez tais coisas tenham que acontecer — não só que podem, mas que tenham que acontecer. Disse ele: “Ao ler a história daqueles dias, dos dias anteriores e dos dias que se sucederam, cheguei à conclusão de que as provações, a perseguição, a oposição quase universal [contra a Igreja naquela época] foram necessárias. Seja como for, por meio delas nosso povo aprendeu muito e elas ajudaram a fortalecê-[lo]”.10
Lições da Cadeia de Liberty
Bem, sem tentar determinar quais desses tipos de experiências na vida são “obrigatórios” e quais são “opcionais”, mas ainda para o nosso bem, permitam-me mencionar umas poucas lições aprendidas em Liberty — experiências que “ensinaram” muito a Joseph e que podem ensinar a nós também, experiências que contribuem tanto para nossa formação na mortalidade como para nossa exaltação na eternidade.
Ao escolher essas lições, assinalo ainda um outro tipo de bênção que resultou daquela adversidade. Para salientar o que desejo em minha mensagem a vocês, busquei as palavras exatas que saíram dos lábios de Joseph Smith durante aquela época dolorosa, palavras agora canonizadas como escritura sagrada em Doutrina e Convênios. Não sei se devemos ter uma escritura favorita. Eu tenho tantas que vocês não conseguirão reduzir-me a uma ou duas; mas com certeza qualquer lista das minhas escrituras favoritas teria que incluir aquelas escritas nas trevas da Cadeia de Liberty.
Então, o que aprendemos instantaneamente é que Deus não ensinou apenas a Joseph Smith naquelas circunstâncias, na prisão, mas que Ele ensinou a todos nós, e as gerações futuras. Que dádiva escriturística! E que alto preço foi pago por ela! Mas que vazia seria a vida para nós, santos dos últimos dias, se não tivéssemos as seções 121, 122 e 123 de Doutrina e Convênios. Se alguém não as leu recentemente, quero que as leia hoje à noite ou o mais tardar amanhã, não depois. Essa é a sua lição de casa e eu vou cobrá-la de vocês! No total, elas estão contidas em apenas sete páginas de texto, mas essas sete páginas tocarão seu coração com sua beleza e força, e lembrarão a vocês que Deus muitas vezes “age de maneiras misteriosas para realizar Suas maravilhas”.11 De qualquer modo, Ele certamente transformou a adversidade em bênção ao nos dar esses escritos e reflexões sagrados, tão puros, nobres e cristãos tanto no tom como no conteúdo, apesar de produzidos num ambiente tão impuro, vil e destituído de Cristo.
1. Todos Têm de Enfrentar Provações
Portanto, temos três lições da Cadeia de Liberty: Considero a primeira delas inerente ao que eu já disse: que todos, inclusive (e talvez principalmente) os justos, terão de enfrentar provações. Quando isso acontece, às vezes tememos que Deus nos tenha abandonado e talvez, ao menos por um tempo, fiquemos a nos perguntar se nossos problemas um dia cessarão. Individualmente, em família, como comunidade ou como nação, provavelmente todos já tiveram ou terão a oportunidade de sentirem o que Joseph Smith sentiu quando perguntou o porquê de tamanha dor e quanto tempo as trevas e o infortúnio durariam. Nós nos identificamos com ele quando brada das profundezas e do desânimo de seu confinamento: “Ó Deus, onde estás? (...) Até quando tua mão será retida? (…) Sim, ó Senhor, até quando [teu povo suportará essas coisas] (...) antes que (...) tuas entranhas deles se compadeçam?” (D&C 121:1–3.)
Essa é uma súplica dolorosa e pessoal, vinda do coração, uma solidão espiritual que possivelmente todos viremos a sentir em algum momento de nossa vida.
Talvez vocês já tenham passado por momentos assim mesmo sendo tão jovens. Se for o caso, espero que não tenham sido muitos, mas sempre que esses momentos extremos ocorrerem, não devemos sucumbir ao temor de que Deus nos tenha abandonado ou de que Ele não ouça nossas orações. Ele ouve, sim. Ele vê, sim. Ele nos ama, sim. Quando estamos em circunstâncias terríveis e desejamos bradar “Onde estás?”, é imperativo que nos lembremos que Ele está bem ali conosco — onde sempre esteve! Precisamos continuar a acreditar, continuar a ter fé, continuar a orar e a suplicar ao céu mesmo que sintamos por algum tempo que nossas orações não são ouvidas e que Deus de algum modo se ausentou. Ele está presente. Nossas orações são ouvidas e, quando choramos, Ele e os anjos do céu choram conosco.
Nos momentos de solidão, abandono e grandes dificuldades, temos que suportar, continuar, persistir. Essa foi a mensagem do Salvador na parábola da viúva persistente (ver Lucas 18:1–8; ver também Lucas 11:5–10). Continue a bater na porta. Continue a suplicar. Enquanto isso, saiba que Deus ouve suas súplicas e conhece suas aflições. Ele é seu Pai e você é Seu filho espiritual.
Quando o que tiver de acontecer tiver acontecido e as lições a se aprender forem aprendidas, será conosco assim como foi com o Profeta Joseph. Foi exatamente no momento em que ele se sentiu mais solitário e como se os céus não o ouvissem que recebeu a ministração maravilhosa do Espírito, assim como maravilhosas e gloriosas respostas que vieram do Pai Celestial. Naquela prisão sombria e num momento deprimente, a voz do Senhor veio a ele, dizendo:
“Meu filho, paz seja com tua alma; tua adversidade e tuas aflições não durarão mais que um momento;
E então, se as suportares bem, Deus te exaltará no alto; triunfarás sobre todos os teus inimigos” (D&C 121:7–8).
Mesmo que situações aparentemente injustas se abatam sobre nós e até nos sejam feitas coisas cruéis e imerecidas — talvez por aqueles que consideramos inimigos, mas também, em alguns casos, por aqueles que pensávamos ser nossos amigos — mesmo assim, em meio a tudo isso, Deus está conosco. É por isso que pedimos que o nosso excelente coro cantasse esta noite o antigo e tradicional hino cristão de Sarah Adams, “Mais Perto Quero Estar”, inclusive com a quarta estrofe, raramente cantada, que eles apresentaram de maneira tão bela:
De minhas provações
farei Betel,
e de minhas aflições o caminho
que me levará para mais perto de Ti.12
Não estamos sozinhos em nossas pequenas prisões aqui. Quando sofremos, de fato talvez estejamos mais próximos de Deus do que jamais estivemos em toda a vida. Esse conhecimento pode tornar cada situação dessas em um templo, por assim dizer.
Com relação a nossa jornada terrena, o Senhor prometeu: “Irei adiante de vós. Estarei a vossa direita e a vossa esquerda e meu Espírito estará em vosso coração e meus anjos ao vosso redor para vos suster” (D&C 84:88). Essa é uma declaração eterna do amor e cuidado do Senhor por nós, inclusive — ou talvez especialmente — nos momentos difíceis.
2. Até os Justos Sofrerão
Em segundo lugar, temos que nos dar conta de que simplesmente por acontecerem coisas difíceis — às vezes injustas e aparentemente injustificadas — isso não significa que somos iníquos ou indignos das bênçãos nem que Deus está decepcionado conosco. É claro que o pecado traz sofrimento e que a única solução para esse comportamento é o arrependimento. Porém, às vezes o sofrimento vem aos que são retos, também. Vocês devem lembrar-se de que, em meio aos tormentos sofridos na Cadeia de Liberty, foi dito a Joseph que ele fora realmente “[lançado] em dificuldades”, tinha passado por provações e sido acusado falsamente, e fora arrancado do seio da família e lançado na prisão, à mercê de assassinos, mas que, a despeito de tudo isso, devia lembrar-se de que o mesmo havia acontecido ao Salvador do mundo, e que por Ele ter saído triunfante, nós também triunfaremos (ver D&C 122:4–7). Ao nos relembrar com sobriedade o que o Salvador teve que passar, a revelação da Cadeia de Liberty registra: “O Filho do Homem desceu abaixo de todas elas. És tu maior do que ele?” (D&C 122:8).
Não. Joseph Smith não era maior que o Salvador e nós também não somos; e quando prometemos seguir o Salvador, seguir Seus passos e ser Seus discípulos, prometemos ir aonde esse caminho divino nos levar. E o caminho da salvação sempre passou, de um jeito ou de outro, pelo Getsêmani. Assim, se o Salvador enfrentou tamanha injustiça e desalento, tamanhas perseguições, iniqüidades e sofrimento, não podemos esperar não ter que enfrentar um pouco dessas coisas se ainda quisermos ser chamados de Seus verdadeiros discípulos e fiéis seguidores. E isso com certeza destaca o fato de que os justos — no caso do Salvador a personificação da retidão — podem ser completamente puros perante Deus e ainda assim sofrer.
De fato, deve ser um grande consolo doutrinário para nós saber que Jesus, durante a Expiação, passou por todos os sofrimentos e tristezas, todas as decepções e injustiças que toda a família humana já sofrera ou ainda iria sofrer, desde Adão e Eva até o fim do mundo, para que não tivéssemos que enfrentá-los de modo tão severo ou tão intenso. Por mais pesado que seja o nosso fardo, ele seria muito mais pesado se o Salvador não tivesse passado por isso antes de nós e suportado esse fardo conosco e por nós.
Logo no início do ministério do Profeta Joseph, o Salvador ensinou a ele essa doutrina. Depois de falar de sofrimentos tão intensos e tão difíceis de suportar, Jesus disse: “Eu, Deus, sofri essas coisas por todos, para que [e isso significa vocês, eu, todos nós] não precisem sofrer caso se arrependam” (D&C 19:16). Em nossos momentos de dor e provação, acho que tremeríamos em pensar que poderia ser pior, mas a resposta a isso claramente é que poderia ser pior e seria pior. Apenas por meio de nossa fé, arrependimento e obediência ao evangelho que proporcionou a sagrada Expiação é que não é pior.
Além disso, observamos que não só o Salvador sofreu, e no caso Dele sendo completamente inocente, mas também a maioria dos profetas e os outros grandes homens e mulheres citados nas escrituras. Diga o nome de um profeta do Velho Testamento ou do Livro de Mórmon, de um apóstolo do Novo Testamento, e de praticamente qualquer líder de qualquer dispensação, inclusive a sua própria, e você estará dizendo o nome de alguém que enfrentou ou enfrenta problemas.
O que quero dizer com isso? Se você está tendo um dia ruim, está longe de ser o único — e está em muito boa companhia. Na companhia das melhores pessoas que jamais viveram.
Agora, não entendam mal. Não temos que procurar tristezas. Não temos que tentar ser mártires. Os problemas conseguem sempre nos encontrar mesmo que não os procuremos, mas, quando for óbvio que terão de enfrentar algum tempo na Cadeia de Liberty (espiritualmente falando), lembrem-se destas duas primeiras verdades ensinadas a Joseph naquele templo-prisão: Primeira, Deus não os esqueceu e segunda, o Salvador passou pelo que vocês estão passando, e isso permitiu que Ele lhes proporcionasse libertação e consolo.
Como escreveu o profeta Isaías: “nas palmas de [Suas] mãos” o Senhor os gravou, escritos permanentemente bem ali, em tecido cicatrizado, em que pregos romanos foram o instrumento de escrita. Tendo pago com sofrimento o preço que pagaram por vocês, o Pai e o Filho nunca os esquecerão ou abandonarão em seu sofrimento (ver Isaías 49:14–16; ver também 1 Néfi 21:14–16). Eles planejaram, prepararam e garantiram sua vitória se vocês a desejarem, então acreditem e “suportem bem” (D&C 121:8). No final, essas coisas “serão para o [seu] bem” (D&C 122:7) e verão um “domínio eterno” fluir para vocês para sempre “sem ser compelido” (D&C 121:46).
3. Continuem a Ser Calmos, Pacientes, Caridosos e Dispostos a Perdoar
Em terceiro lugar, e por último hoje, quero lembrar que, em meio a essas aflições, quando poderíamos sentir-nos justificados a ficar com raiva, desejar vingança, querer retribuir olho por olho e dente por dente, do templo-prisão da Cadeia de Liberty o Senhor nos relembra que “os direitos do sacerdócio são inseparavelmente ligados com os poderes do céu e que os poderes do céu não podem ser controlados nem exercidos a não ser de acordo com os princípios da retidão” (D&C 121:36). Portanto, mesmo quando enfrentamos essas circunstâncias aflitivas na vida e existe algo em nós que deseja atacar a Deus ou ao homem, seja amigo ou inimigo, precisamos lembrar-nos que “nenhum poder ou influência pode ou deve ser mantido (...) a não ser com persuasão, com longanimidade, com brandura e mansidão e com amor não fingido; (...) sem hipocrisia e sem dolo” (D&C 121:41–42; grifo do autor).
Para mim, sempre foi um testemunho extraordinário da grandiosidade do Profeta Joseph e de todos os nossos profetas, inclusive e especialmente do Salvador do mundo em Sua magnificência, o fato de que em meio a essas aflições e dificuldades eles fossem capazes de permanecer calmos e pacientes, caridosos e dispostos a perdoar — e que fossem capazes de até falar dessa maneira e, principalmente, viver dessa maneira. Mas eram capazes e foi isso o que fizeram. Eles lembraram-se de seus convênios, disciplinaram-se, e sabiam que precisamos viver o evangelho em todos os momentos, e não só quando nos é conveniente e quando as coisas vão bem. De fato, sabiam que a verdadeira prova de nossa fé e de nossa condição de discípulos de Cristo acontece quando as coisas não estão tranqüilas. É nesses momentos que vemos do que somos feitos e quão firme realmente é nosso compromisso com o evangelho.
Com certeza, o exemplo clássico disso é que nas horas mais dolorosas da Crucificação, o Salvador conseguiu dizer: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem” (Lucas 23:34). Isso é algo difícil de pedir quando estamos sofrendo. É algo difícil de fazer quando fomos ofendidos ou estamos cansados, esgotados, ou sofrendo sem merecer, mas é aí que o comportamento cristão pode ser mais importante ainda. Lembrem-se, “os poderes do céu não podem ser controlados nem exercidos a não ser de acordo com os princípios da retidão”. E como precisamos dos poderes do céu conosco nessas horas! Como Joseph aprendeu naquele templo-prisão, mesmo na aflição e dor precisamos deixar “que [nossas] entranhas (...) sejam cheias de caridade para com todos os homens (...); então [e somente então nossa] confiança se fortalecerá na presença de Deus; e (...) o Espírito Santo será [nosso] companheiro constante” (D&C 121:45–46).
Permanecer fiéis aos nossos princípios cristãos é a única maneira pela qual a influência divina pode-nos ajudar. O Espírito tem uma tarefa quase impossível de realizar para penetrar um coração cheio de ódio, raiva, vingança ou autocomiseração. Essas coisas são todas antagônicas ao Espírito do Senhor. Por outro lado, o Espírito encontra acesso imediato a um coração que se esforça para ser caridoso e disposto a perdoar, longânimo e bondoso — princípios do verdadeiro discipulado. Que testemunho é saber que os princípios do evangelho podem ser aplicados o tempo todo e em todas as circunstâncias, e que se nos esforçarmos em permanecer fiéis, o triunfo de uma vida cristã nunca será abatido, não importa quão terrível seja a situação! Como me é cara a majestade desses ensinamentos belos e celestiais, ministrados, ironicamente, numa ocasião e em circunstâncias tão detestáveis.
Fazer Todas as Coisas com Alegria
Para encerrar as lições da Cadeia de Liberty, menciono o último versículo da última dessas três seções que examinamos esta noite. Nessa declaração canonizada final da experiência na Cadeia de Liberty, o Senhor diz a nós, por intermédio de Seu profeta, Joseph Smith: “Portanto, amados irmãos [e irmãs]”, até quando estivermos atravessando os tempos mais espinhosos, “façamos alegremente todas as coisas que estiverem a nosso alcance; e depois aguardemos, com extrema segurança, para ver a salvação de Deus e a revelação de seu braço” (D&C 123:17; grifo do autor).
Que declaração final extraordinariamente otimista e fiel feita em um templo-prisão! Quando escreveu essas palavras, Joseph não sabia quando seria libertado ou se chegaria a ser libertado. Tudo indicava que seus inimigos ainda planejavam tirar-lhe a vida. Além disso, sua esposa e seus filhos estavam sozinhos, atemorizados, passando fome muitas vezes e perguntando-se como iriam sustentar-se sem o marido e pai. Os santos, também, estavam sem lugar para morar e sem seu profeta. Estavam saindo do Missouri, rumo a Illinois, mas quem poderia dizer que tragédias os aguardavam ali? Com certeza, repito, esse foi um momento sombrio e tenebroso ao extremo.
Ainda assim, naquelas horas frias e solitárias, Joseph disse: façamos tudo o que pudermos e façamos com alegria. Depois disso, estaremos justificados em voltar-nos ao Senhor, confiar em Sua misericórdia e ver Seu braço ser revelado em nosso benefício.
Que atitude magnífica a ser adotada nos bons e maus momentos, no sofrimento ou na alegria!
Bênção e Testemunho
Meus queridos jovens amigos, como parte de meu testemunho final a vocês esta noite, quero dar-lhes uma bênção. Tenho a impressão de que, quando levamos nosso testemunho apostólico ao mundo, temos duas oportunidades e, de fato, talvez duas obrigações. Uma é a de testificar — como tentei fazer aqui e como farei antes de terminar. A outra é a de abençoar — como fizeram os apóstolos antigos quando o Salvador os convidou a fazer o mesmo que Ele fizera, só que no mundo todo.
Assim, a todos vocês presentes hoje, aqui neste grande auditório ou em outros locais no mundo todo: Eu os abençôo. Abençôo a cada um em suas circunstâncias pessoais, como se minhas mãos estivessem sobre sua cabeça. Isso lhes ofereço com a mesma honestidade com que lhes presto meu testemunho. Eu os abençôo em nome do Senhor e digo que Deus realmente os ama, ouve suas orações, está a seu lado e nunca os abandonará.
Abençôo os homens para que vocês — para que nós — sejamos dignos do sacerdócio que portamos, que sejamos fiéis à vida de discípulos para a qual fomos chamados nesta grande ordem do Santo Sacerdócio Segundo a Ordem do Filho de Deus. Eu os abençôo para que sejamos verdadeiramente semelhantes ao Mestre — que sejamos mais semelhantes a Ele no modo de pensar, que sejamos mais semelhantes a Ele no modo de falar e que façamos mais das coisas que Ele fez. Abençôo a vocês, irmãos, para que, ao se esforçarem para ser fiéis, contem com todas as bênçãos do sacerdócio, muitas das quais mencionamos esta noite entre essas mesmas seções de Doutrina e Convênios.
Abençôo as mulheres desta congregação e aquelas ao alcance da minha voz. Gostaria que soubessem como as estimamos, como Deus as estima, e como a bandeira da fé tem sido desfraldada pelas mulheres desta Igreja desde o início. Em todas as gerações, eu diria, desde o princípio dos tempos até o presente momento e no futuro, tantas vezes têm sido as mulheres em nossa vida — nossas avós, mães, esposas, filhas, irmãs, netas — que empunham a tocha da fé e o estandarte da vida virtuosa e carregam os princípios do evangelho para onde quer que ele as leve, seja qual for a provação, até naqueles momentos em menor escala equivalentes à Cadeia de Liberty e nos tempos difíceis. Irmãs, nós as amamos, honramos e abençoamos. Pedimos que todos os desejos justos de seu coração esta noite e para sempre lhes sejam concedidos, e que saiam deste devocional levando firmemente no coração o conhecimento e a compreensão do quanto Deus, os céus e os irmãos que presidem esta Igreja as amam e a alta conta em que as têm.
Saúdo vocês, jovens adultos desta Igreja nesta grande congregação do SEI, e digo que o futuro está em suas mãos. Aqueles da minha geração terão que, num futuro muito próximo, passar o bastão a vocês. Que Deus os abençoe para enfrentarem estes tempos com o valor, a honestidade e a integridade da qual falamos esta noite.
Para encerrar, testifico que o Pai e o Filho vivem. Testifico que Eles estão próximos, e talvez ainda mais próximos, por meio do Espírito Santo, quando atravessamos tempos difíceis. Testifico (assim como testificará o número musical de encerramento, “A Minha Benignidade Não Se Apartará de Ti”, citando o profeta Isaías) que a bondade dos céus nunca se aparte de vocês, a despeito do que aconteça (ver Isaías 54:7–10; ver também 3 Néfi 22:7–10). Testifico que os tempos difíceis também têm fim, que a fé sempre vence, e que as promessas celestiais são sempre cumpridas. Testifico que Deus é nosso Pai, que Jesus é o Cristo, que este é o evangelho verdadeiro e vivo — encontrado nesta que é a Igreja verdadeira e viva. Testifico que o Presidente Thomas S. Monson é um profeta de Deus, o nosso profeta para este momento, para esta época. Eu o amo e o apóio, e sei que vocês também o amam e apóiam. Nas palavras da experiência vivida no templo-prisão da Cadeia de Liberty, meus jovens amigos, “Persevera em teu caminho (...) Não temas (...), pois Deus estará contigo para todo o sempre” (D&C 122:9), em nome de Jesus Cristo. Amém.
NOTAS
1. History of the Church, vol. 3, pp. 190–191.
2. Alexander McRae, A Comprehensive History of the Church, vol. 1, p. 521.
3. History of the Church, vol. 3, p. 290.
4. Carta a Isaac Galland, 22 de março de 1839, Personal Writings of Joseph Smith, ed. rev., comp. Dean C. Jessee (2002), p. 456.
5. Carta à Igreja no Condado de Caldwell, 16 de dezembro de 1838; “Communications”, Times and Seasons, abril de 1840, p. 85.
6. Carta a Emma Smith, 21 de março de 1839, Personal Writings, p. 449.
7. Carta a Emma Smith, 4 de abril de 1839, Personal Writings, pp. 463 e 464; grafia e maiúsculas padronizadas.
8. Ver Comprehensive History, vol. 1, p. 521, cabeçalho do capítulo; ver também p. 526.
9. Ver, por exemplo, “A Choice Seer”, Ensign, agosto de 1986, p. 12.
10. “Text of Address by Pres. Smith at Liberty Jail Rites”, Church News, 21 de setembro de 1963, p. 14; grifo do autor.
11. Tradução livre da 1ª estrofe de “God Moves in a Mysterious Way”, Hymns, nº285 (ver “Deus É Consolador Sem Par”, Hinos, nº 139).
12. Tradução livre da 4ª estrofe de “Nearer, My God to Thee”, Hymns, nº 100 (ver “Mais Perto Quero Estar”, Hinos, nº 62); grifo do autor.

Já Não Me Lembrei de Minhas Dores

“Já Não Me Lembrei de Minhas Dores” (Craig A. Cardon, Tambuli, Abril de 1993)

“Por que eu ainda me lembro dos meus pecados?”, perguntou a mulher que se sentou em meu escritório. Ela estava angustiada, mas ainda assim tinha o desejo de compreender.
Na época, eu estava servindo como presidente de missão e esta irmã veio procurar meu conselho sobre a questão que lhe vinha afligindo por algum tempo.
Ela me disse que anos antes havia cometido um sério pecado. Ela havia se confessado ao seu líder do sacerdócio e havia seguido o conselho de buscar o perdão do Senhor, da Igreja e das pessoas envolvidas. Ela mudou sua vida e agora estava obedecendo aos mandamentos. Ainda assim, as coisas que ela havia feito retornavam à sua mente de tempos em tempos.
“O Senhor disse que quando nos arrependemos, somos perdoados,” disse ela, e que Ele “... deles não mais me lembro.” (Ver D&C 58:42). Mas se eu ainda posso me lembrar de meus pecados, isto seguramente deve significar que eu não me arrependi completamente e que o Senhor não me perdoou. O que mais posso fazer? Como saberei que o Senhor me perdoou?”
Eu lhe fiz algumas perguntas e me convenci de que sua atitude era de arrependimento, obediência e sinceridade. Então, eu a convidei para abrir as escrituras. Juntos, lemos as ordens do Senhor para perdoarmos uns aos outros e perdoar toda a humanidade. Eu lhe disse que se devemos perdoar uns aos outros, devemos perdoar a nós mesmos.
Ela aceitou o princípio de perdoar aos outros, mas a idéia de perdoar a si mesma ainda era muito difícil para ela. Outras escrituras trouxeram respostas semelhantes. Ela não estava consolada.
Em seguida, começamos a ler sobre o princípio da fé em Jesus Cristo. Apesar de orar silenciosamente para que o Senhor guiasse nossa conversa, não estava preparado para o ensinamento de grande impacto que o Espírito em breve nos daria. Eu me senti pronto a abrir o Livro de Mórmon em Alma, capítulo 36, que atualmente estava lendo em meu estudo pessoal das escrituras.
Eu lhe perguntei se ela poderia ler em voz alta as palavras de Alma ao seu filho Helamã: “E aconteceu que enquanto eu estava sendo assim atormentado e enquanto eu estava perturbado pela lembrança de tantos pecados, eis que me lembrei também de ter ouvido meu pai profetizar ao povo sobre a vinda de um Jesus Cristo, um Filho de Deus, para expiar os pecados do mundo” (versículo 17). A escritura soou como se fosse dirigida especificamente para ela! Foi interessante notar que assim como Alma se lembrou de seus pecados, ele também se lembrou da Expiação.
Ela continuou a ler: “Ora, tendo fixado a mente neste pensamento, clamei em meu coração: Ó Jesus, tu que és Filho de Deus, tem misericórdia de mim que estou no fel da amargura e rodeado pelas eternas correntes da morte” (versículo 18). O clamor desta irmã era igual ao de Alma!
Então ela leu o versículo 19: “E então, eis que quando pensei nisto, já não mais me lembrei de [meus pecados]...”
As palavras pularam da página sobre mim. Ela as havia lido errado! As palavras não eram “meus pecados”. Eu lhe pedi que lesse o versículo novamente. O Espírito me sussurrou que ela estava para receber uma resposta à pergunta que havia lhe causado tanta angústia
Sem mover seus olhos da página, ela silenciosamente releu o versículo. Seus olhos começaram a se encher de lágrimas enquanto ela chegava ao entendimento. Suavemente, com dificuldade em controlar a voz, ela agora leu em voz alta: “E então, eis que quando pensei isto, já não me lembrei de minhas dores; sim, já não fui atormentado pela lembrança de meus pecados..” (itálicos adicionados).
Seus olhos não estavam cheios de lágrimas de angústia, mas, em vez disso, de felicidade, compreensão, e aceitação.
Nos anos até aquela comovente experiência, eu havia tido a feliz oportunidade de estar presente em um número de vezes em que o Senhor abençoou alguém com o entendimento destes princípios.
Aquelas experiências — e Alma 36 — tornaram claro para mim que quando nos arrependemos sinceramente e exercemos fé no Senhor e em sua Expiação, nós somos perdoados. A lembrança de nossos pecados passados talvez venha às nossas mentes de tempos em tempos, mas se nós também nos lembrarmos da realidade da Expiação, não mais nos lembraremos de nossas dores. Não seremos mais atormentados pela lembrança de nossos pecados.
Então nós também poderemos nos sentir como Alma se sentiu: “E oh! Que alegria e que luz maravilhosa contemplei! Sim, minha alma encheu-se de tanta alegria quanto havia sido minha dor!” (Alma 36:20).

A Língua dos Anjos

A Língua dos Anjos, Élder Jeffrey R. Holland (Conferência Geral abril/2007)

O Profeta Joseph Smith aprofundou nosso conhecimento do poder da palavra quando ensinou: “É pelas palavras (…) [que] todo ser opera quando opera pela fé. Deus disse: ‘Haja luz; e houve luz’. Josué falou, e as grandes luzes que Deus havia criado ficaram paradas. Elias, o profeta, ordenou, e os céus se contiveram pelo espaço de três anos e seis meses, de modo que não choveu. (…) Tudo isso foi feito pela fé. (…) A fé, portanto, opera pelas palavras; e com [palavras] suas obras mais poderosas foram e serão realizadas”.1 Como todas as dádivas que “vêm de cima”, as palavras são sagradas e devem ser ditas “com cuidado e por indução do Espírito”.2
É com essa compreensão do poder e santidade das palavras que desejo prevenir a todos, se é que isso é preciso, quanto ao modo como falamos uns com os outros e como falamos de nós mesmos.
Há um versículo de um livro apócrifo que expressa a seriedade dessa questão melhor do que eu. É o seguinte: “O golpe do chicote deixa marcas na carne; mas o golpe da língua quebra os ossos”.3 Com essa forte imagem em mente, fui particularmente inspirado a ler no livro de Tiago que há um modo pelo qual eu posso me tornar “perfeito”.
Tiago disse: “Porque todos tropeçamos em muitas coisas. [Mas] se alguém não tropeça em palavra, o tal é perfeito, e poderoso para também refrear todo o corpo”.
Dando continuidade à imagem do freio, ele escreveu: “Ora, nós pomos freio nas bocas dos cavalos, para que nos obedeçam; e conseguimos dirigir todo o seu corpo.
Vede também as naus que, sendo tão grandes, e levadas de impetuosos ventos, se viram com um bem pequeno leme”.
Então, Tiago chega aonde pretendia: “Assim também a língua é um pequeno membro. (…) [Mas] vede quão grande [floresta (em grego)] um pequeno fogo [pode incendiar].
(…) A língua [é um fogo,] posta entre os nossos membros, e contamina todo o corpo, (…) e é inflamada pelo inferno. (...)
Com ela bendizemos a Deus e Pai, e com ela amaldiçoamos os homens, feitos à semelhança de Deus.
De uma mesma boca procede bênção e maldição. Meus irmãos, não convém que isto se faça assim”.4
Ora, isso foi muito direto! Evidentemente, Tiago não quis dizer que nossa língua é sempre iníqua, tampouco que tudo o que dizemos é “cheio de peçonha mortal”, mas fica claro que ele quis dizer que ao menos algumas coisas que dizemos podem ser destrutivas, até venenosas—e essa é uma acusação assustadora para um santo dos últimos dias! A voz que presta um profundo testemunho, profere orações fervorosas e canta os hinos de Sião pode ser a mesma voz que deprecia e critica, envergonha e rebaixa, inflige dor e destrói seu próprio espírito e o de outras pessoas no processo. “De uma mesma boca procede bênção e maldição”, lamenta Tiago. “Meus irmãos [e irmãs], não convém que isto se faça assim.”
Não será isso algo no qual todos podemos melhorar um pouquinho? Não será um ponto em que todos podemos tentar ser um pouco mais perfeitos?
Marido, foi-lhe confiada a dádiva mais sagrada que Deus pode conceder: uma esposa, uma filha de Deus, a mãe de seus filhos que voluntariamente se dedicou a você por amor e agradável companhia. Pense no tipo de coisas que você dizia quando estavam namorando, pense nas bênçãos que você lhe deu impondo as mãos sobre a cabeça dela com todo o carinho, pense em você e nela como o deus e a deusa que vocês são em potencial e, depois, reflita a respeito de outros momentos marcados por palavras frias, cáusticas e impensadas. Em vista dos danos que podem ser causados pela língua, não admira que o Salvador tenha dito: “O que contamina o homem não é o que entra na boca, mas o que sai da boca, isso é o que contamina o homem”.5 O marido que nunca sonharia em agredir a esposa fisicamente é capaz de partir-lhe , se não os ossos, certamente o coração, pela brutalidade de palavras impensadas ou rudes. Os maus-tratos físicos são unânime e inequivocamente condenados na Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. Se for possível ser mais condenatório ainda, denunciamos mais vigorosamente todas as formas de abuso sexual. Hoje, censuro os maus-tratos verbais e emocionais que qualquer pessoa inflija a qualquer outra, mas especialmente os do marido contra a mulher. Irmãos, não convém que isto se faça assim.
Nesse mesmo espírito, falamos também às irmãs, porque o pecado dos maus-tratos verbais não existe apenas nos homens. Esposas, o que dizer da sua língua desenfreada, ou do bem ou mal que as suas palavras podem fazer? Como pode uma voz tão encantadora, que por natureza divina é tão angelical, tão naturalmente espiritual, tão instintivamente gentil e intrinsecamente bondosa, tornar-se estridente, mordaz, ácida e descontrolada? As palavras de uma mulher podem ser mais cortantes do que qualquer adaga já forjada e podem fazer com que seus entes queridos se ocultem por trás de uma barreira mais intransponível do que se poderia imaginar no início da conversa. Irmãs, não há lugar nesse seu espírito magnífico para qualquer tipo de expressão ácida ou cáustica, inclusive para a fofoca, a difamação ou os comentários maldosos. Que jamais se possa dizer, de nossa casa, ala ou vizinhança, que “a língua (…) é um fogo; como mundo de iniqüidade [queimando] entre os nossos membros”.
Gostaria de ampliar esse conselho para aplicá-lo a toda a família. Precisamos ser muito cuidadosos ao falar com as crianças. O que dizemos ou deixamos de dizer, como dizemos e quando dizemos são elementos extremamente importantes na formação da imagem que a criança tem de si mesma; mas isso é ainda mais importante na formação da fé que a criança tem em nós e da fé que tem em Deus. Sejam edificantes nos comentários que fazem às crianças —sempre. Nunca digam para uma criança, nem por brincadeira, que ela é gorda, burra, preguiçosa ou feia. Vocês jamais fariam isso por maldade, mas elas se lembrarão disso e podem passar vários anos tentando esquecer — e perdoar. E não tentem comparar seus filhos uns com outros, mesmo que achem que sabem fazer isso com tato. Vocês podem dizer de modo muito positivo que “Susana é bonita, e Sandra é inteligente”, mas Susana só vai-se lembrar que não é inteligente, e Sandra, que não é bonita. Elogiem cada filho individualmente pelo que ele é, e ajudem-no a escapar da obsessão de nossa cultura em comparar, competir e de nunca sentir que somos “suficientemente bons”.
Nisso tudo, suponho que não seja nem preciso dizer que as palavras negativas geralmente são resultado de pensamentos negativos, inclusive a nosso próprio respeito. Vemos nossas próprias faltas, falamos (ou ao menos pensamos) de modo crítico a nosso próprio respeito e, em pouco tempo, é assim que passamos a ver a tudo e a todos, sem um raio de sol, sem rosas nem qualquer promessa de esperança ou felicidade. Em pouco tempo, nós e todos ao nosso redor passamos a nos sentir péssimos.
Adoro o que o Élder Orson F. Whitney disse certa vez: “O espírito do evangelho é otimista; ele confia em Deus e olha para o lado positivo das coisas. O oposto, ou o espírito pessimista, arrasta os homens para baixo e para longe de Deus, olha para o lado sombrio, murmura, reclama e é lento em obedecer”.6 Devemos honrar a declaração do Salvador de “ter bom ânimo”.7 (De fato, parece-me que esse é o mandamento que mais transgredimos!) Digam coisas positivas. Digam coisas animadoras, inclusive a respeito de si mesmos. Tentem não reclamar nem resmungar incessantemente. Dizem por aí que até quando a vida é um mar de rosas há quem reclame dos espinhos.
Muitas vezes penso que Néfi deve ter achado mais fácil ser amarrado e espancado do que ouvir as constantes lamúrias de Lamã e Lemuel.8 Ele deve ter dito, com certeza, pelo menos uma vez: “Batam mais! Podem bater até eu não ter mais que ouvir vocês!” É, a vida tem problemas; é verdade, há coisas negativas a enfrentar, mas, por favor, aceitem uma das máximas de vida do Élder Holland: “Não há desgraça na vida que a lamúria não piore”.
Paulo falou com toda franqueza, mas com muito otimismo, dizendo para todos nós: “Não saia da vossa boca nenhuma palavra torpe, mas só a que for boa para promover a edificação, para que dê graça aos que a ouvem.
E não entristeçais o Espírito Santo de Deus, (…)
Toda a amargura, e ira, e cólera, e gritaria, e blasfêmia e toda a malícia sejam tiradas dentre vós (…)
Antes sede uns para com os outros benignos, misericordiosos, perdoando-vos uns aos outros, como também Deus vos perdoou em Cristo.”9
Em seu profundo e tocante testemunho final, Néfi nos conclama a “[seguirmos] o Filho [de Deus] com todo o coração”, prometendo: “depois de (…) haverdes recebido o batismo de fogo e do Espírito Santo [podereis] falar em uma língua nova, sim, na língua de anjos. (…) E como poderíeis falar a língua de anjos se não fosse pelo Espírito Santo? Os anjos falam pelo poder do Espírito Santo; falam, portanto, as palavras de Cristo.”10 De fato, Cristo foi e é “o Verbo”, de acordo com João, o amado,11 cheio de graça e verdade, cheio de misericórdia e compaixão.
Portanto, irmãos e irmãs, nessa longa jornada eterna para tornarmo-nos mais semelhantes ao Salvador, procuremos ser homens e mulheres “perfeitos” ao menos em um aspecto: não tropeçando em palavra; ou, para dizer claramente, falando em uma nova língua, a língua dos anjos. Nossas palavras, tal como nossas ações, devem ser cheias de fé, esperança e caridade, os três grandes princípios cristãos que são tão desesperadamente necessários no mundo atual. Com palavras assim, proferidas sob a influência do Espírito, lágrimas podem ser enxutas, corações podem ser curados, vidas podem ser elevadas, a esperança pode retornar, a confiança pode prevalecer. Oro para que minhas palavras sobre esse tema difícil não lhes tirem o alento, mas lhes sirvam de incentivo; que vocês percebam em minha voz que eu os amo, porque isso é verdade, e, o que é mais importante, saibam que o Pai Celestial os ama, e Seu Filho Unigênito também. Quando Eles falarem a vocês — e hão de falar — não será no vento nem no terremoto nem no fogo, mas com uma voz mansa e delicada, uma voz terna e bondosa:12 será na língua dos anjos. Que todos nos regozijemos na idéia de que, quando dizemos coisas edificantes e animadoras ao menor destes nossos irmãos, irmãs e pequeninos, as dizemos a Deus.13 Em nome de Jesus Cristo. Amém.
Notas
1. Lectures on Faith, 1985, pp. 72–73; grifo do autor.
2. D&C 63:64.
3. Eclesiástico 28:21 ou 28:17 [dependendo da edição].
4. Tiago 3:2–10; grifo do autor.
5. Mateus 15:11.
6. Conference Report, abril de 1917, p. 43.
7. Mateus 14:27; Marcos 6:50; João 16:33.
8. Ver 1 Néfi 3:28-31; 18:11–15.
9. Efésios 4:29–32.
10. 2 Néfi 31:13–14; 32: 2–3.
11. João 1:1.
12. Ver I Reis 19:11–12.
13. Ver Mateus 25:40.